Um setor necessário, que se tornou emergente com a “sede” pela transição energética, mas que ainda caminha a passos lentos para atender o grande potencial brasileiro: a mineração. Com o desafio de fortalecer as equipes de fiscalização e de modernizar seus sistemas, a Agência Nacional de Mineração (ANM) conta sobre as vantagens do país e sobre os desafios que enfrenta desde sua criação em dezembro de 2017, quando deixou de ser o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), fundado em 1934, para ocupar o papel de agente regulador da mineração em nosso país.

Em entrevista à revista Minérios & Minerales, o Diretor Geral da autarquia federal, Mauro Henrique Moreira Sousa, falou da busca por infraestrutura e por novas tecnologias nos últimos anos, e da expectativa de uma ampliação orçamentária de até 80% para o ano de 2025.

Mauro também destacou a aptidão do país no setor, sendo a segunda maior arrecadação dentre os órgãos reguladores, com quase R$ 40 bilhões em 6 anos. Além disso afirmou a previsão de um “boom” na atividade de exploração e produção para minerais críticos, devido à procura por tecnologias que reduzem a emissão de carbono, como é o caso do lítio, que teve um aumento de 30% em 2023, especialmente por conta da demanda pelos veículos elétricos.

Confira a entrevista na íntegra abaixo:

1 – O que mudou, em questões de estrutura, do antigo DNPM, como autarquia, na transformação em ANM?

Assim como as demais agências reguladoras, a ANM é uma autarquia de natureza especial, com independência administrativa e financeira, conduzida por uma diretoria que atua em caráter colegiado, com mandatos de 4 anos.

A agência trabalha com três macroprocessos primários: fiscalização, outorga e regulação, sendo este último o grande diferencial na mudança do DNPM para a ANM.

Por ser a mais nova das agências, ainda está se desenvolvendo e amadurecendo dentro das práticas regulatórias. Todavia, em se tratando de histórias e vivências é a mais antiga de todas, pois carrega em seu DNA o legado construído desde 1934, com o nascimento do DNPM.

2 – Sendo o país com grande potencial mineral como o Brasil, a agência está preparada para fiscalizar a mineração num país continental?

 Atualmente a ANM conta com cerca de 650 servidores efetivos, sendo que 30% estão aptos a se aposentar a qualquer momento. Do ponto de vista fiscalizatório, contamos com 100 servidores na área de fiscalização, 70 em segurança de barragens de mineração e somente 4 para CFEM.

Em 15 de julho, foi publicada a Portaria MGI nº 4.595, autorizando a realização de concurso público para provimento de 180 vagas para Especialistas em Recursos Minerais. O quantitativo ainda é baixo para a adequada estruturação e desempenho da agência, mas é um passo importante que foi dado pelo governo federal.

3 – Os repasses da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) para a ANM têm atendido às necessidades de seu orçamento?

A ANM é a segunda maior agência reguladora em arrecadação. Em 2023, atingiu R$ 7 bilhões em royalties da CFEM, sendo que a Lei nº 13.540/2017 define o repasse de 7% desse valor para a agência, ou seja, R$ 490 milhões. Todavia, recebemos um pouco mais de R$ 14 milhões, 3% do valor devido. Tudo isso em virtude de limitações orçamentárias e financeiras impostas pelo governo federal. De 2018 a 2023 a agência já arrecadou um total de quase R$ 40 bilhões, mas recebeu um pouco mais de R$ 300 milhões em 6 anos.

4 – Quais são os programas e os projetos prioritários para a modernização da ANM?

 Falar em modernização é trazer a tecnologia para o centro da discussão, com soluções adequadas aos problemas enfrentados. E esse tem sido o trabalho da ANM nos últimos cinco anos: preparar- -se para a transformação digital. Entretanto, cortes orçamentários frequentes têm postergado a implementação dos avanços esperados. Hoje, o referencial orçamentário da agência está próximo de R$ 100 milhões, sendo necessário, pelo menos, R$ 180 milhões para efetuarmos as melhorias devidas. Já direcionamos a proposta aos ministérios do Planejamento, da Fazenda e da Gestão e Inovação no Serviço Público, e, também, ao MME.

 Mesmo com todos os desafios, estamos dedicados ao desenvolvimento tecnológico da agência, incluindo a aquisição de novos equipamentos de processamento e de armazenamento de dados, e ações em parceria com Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO), por meio de Acordo de Cooperação Comercial que prevê um ecossistema de soluções tecnológicas que garantam a execução de operações de outorga, fiscalização, gestão da economia mineral brasileira, gestão de receitas e transformação digital; além de disponibilizarem espaço para receber o Data Center da ANM.

 O Sistema Nacional de Arrecadação (SINARC) está sendo revisto para que possa atuar de maneira integrada com as bases de dados da Receita Federal, promovendo ajustes importantíssimos na área fiscal da mineração. O Sistema de Gerenciamento de Barragens de Mineração (SIGBM) também está passando por melhorias, visando incorporar novas funcionalidades, incluindo pilhas de estéreis. Junto a isso, temos investido em sistemas de alerta em parceria com o Parque Tecnológico de Itaipu.

 Os estudos com utilização de Inteligência Artificial Generativa têm como foco automatizar todo o processo de outorga. Já no campo das ações fiscalizatórias, estamos atuando na busca por sistemas que intensifiquem o monitoramento remoto e que promovam uma fiscalização ainda mais responsiva.

5 – Como vem sendo aplicada a nova lei de barragens? Pelo número existente a desativar ou reforçar, a agência pensa em dar mais prazos para as mineradoras?

 A Lei nº 14.066/2020 alterou pontos específicos da anteriormente vigente Lei nº 12.334/2010. Um dos aspectos mais sensíveis que a alteração da lei trouxe foi a obrigatoriedade de descaracterização de barragens a montante em tempo tão exíguo. No entanto, a revisão da Resolução ANM nº 95/2022 estabeleceu dispositivos para que os regulados possam apresentar dados técnicos para a comprovação da necessidade de postergação de prazo, possibilitando a avaliação e decisão da agência pela prorrogação ou não dos prazos.

 A fim de resguardar que as obras de descaracterização sejam conduzidas de forma segura e não impliquem em agravamento à estabilidade geotécnica e hidráulica das barragens, a ANM aprovou prazos distintos, estudando as características técnicas caso a caso.

 6 – Na Agenda Regulatória da ANM, quais são os temas prioritários?

A atual Agenda Regulatória da ANM contempla o período de 2022 a 2024 e apresenta um total de 50 propostas de projetos, sendo que 20% já foram concluídos e 38% encontram-se em andamento.

 Dentre os projetos já concluídos temos a Resolução ANM nº 156, de 8 de abril 2024, que dispõe sobre Declaração das Informações Econômico-fiscais (DIEF) da CFEM; a Resolução ANM nº 157, de 03 de maio de 2024, que trata de Rotulagem de água mineral e potável de mesa; e a Resolução ANM nº 143, de 21 de novembro de 2023, que trata da distribuição de CFEM entre o Distrito Federal e os Municípios afetados pela atividade de mineração, disciplinando o disposto no Decreto nº 11.659, de 23 de agosto de 2023.

Em se tratando das iniciativas em andamento, destacamos a revisão dos normativos sobre Permissão de Lavra Garimpeira (PLG) e sobre Plano de Fechamento de Mina; a regulamentação da “Declaração de Utilidade Pública (DUP): servidão minerária e desapropriação” e de “Garantias financeiras e seguros para cobrir os riscos advindos das atividades de mineração”.

Além disso, estão em pauta vários processos para simplificação de outorga, incluindo: Registro de Extração, Regime de Concessão de Lavra, Regime de Licenciamento e Cessão e Arrendamento de direitos minerais. A atualização das Normas Reguladoras de Mineração (NRM) também faz parte dos projetos prioritários.

As informações sobre a Agenda Regulatória da ANM podem ser obtidas no site, por meio do link: https://www.gov. br/anm/pt-br/assuntos/regulação


 7 – O projeto Autazes da Potássio do Brasil acaba de receber todas as licenças para sua construção após um processo de 15 anos. Quais as propostas da ANM para agilizar essa etapa de licenças?

Primeiramente é importante destacar que as licenças concedidas ao projeto Autazes da Potássio do Brasil são aquelas sob responsabilidade dos órgãos ambientais. No caso da ANM, atuamos com a análise de autorizações de pesquisa e de requerimento de lavra.

O Plano Plurianual (PPA) 2024-2027 estabelece o compromisso do governo em ampliar as reservas de minerais estratégicos para a transição energética e ampliar o suprimento de insumos minerais estratégicos para a segurança alimentar.

Em alinhamento com as diretrizes estabelecidas, a Ordem de Serviço ANM nº 142 definiu que as Gerências Regionais da ANM efetuem a priorização das análises de requerimentos de pesquisa, relatórios finais de pesquisa, requerimentos de lavra e relatórios anuais de lavra relacionados aos sais de potássio. Para isso, deverão providenciar os levantamentos que se fizerem necessários nos sistemas de informação da ANM, provendo relação de processos passíveis de análise.

Hoje, a empresa Potássio do Brasil possui 5 requerimentos de lavra, 6 autorizações de pesquisa e 4 processos em fase de direito de requerer a lavra junto à ANM.

8 – Como caminha o programa de novos leilões de áreas de disponibilidade?

 Um dos principais avanços que tivemos no projeto de Disponibilidade de Áreas da ANM foi a implementação do Sistema de Oferta Pública e Leilão de Áreas (SOPLE), que trouxe maior segurança jurídica, impessoalidade e imparcialidade a este processo de trabalho.

Após os problemas enfrentados na 7ª rodada e os ajustes realizados no sistema, a ANM realizou recentemente a 8ª rodada, em que ofertamos 5.000 áreas, tanto para pesquisa quanto para lavra. Desde que o projeto teve início na ANM, em setembro de 2020, já foram disponibilizadas 16.869 áreas.

 O compromisso atual da agência é realizar, pelo menos, duas rodadas a cada ano, reduzindo de maneira considerável o estoque de áreas disponíveis.

9 – Quais as iniciativas da ANM para o combate ao garimpo ilegal, em especial na Amazônia?

 O garimpo ilegal envolve a atuação de diversos órgãos governamentais, em especial a Polícia Federal, o Ibama e o Ministério Público Federal, podendo incluir a ANM, o Exército, a Receita Federal e outros atores, quando couber. Além da atuação conjunta em ações específicas, a ANM tem investido na celebração de Acordos de Cooperação Técnica (ACT), que possibilitam o compartilhamento e a integração de bases de dados, a melhoria no desenho e na execução dos processos de trabalho, com possibilidade de análises conjuntas, intercâmbio de conhecimento e desenvolvimento de projetos.

 Outra iniciativa da ANM, ainda em desenvolvimento, é o MineraLEGAL, plataforma que utiliza geoinformação para apuração de denúncias referentes à lavra ilegal. O objetivo principal é trazer agilidade e assertividade na identificação e na análise de casos.

10 – O Chile ainda é o concorrente a ser vencido, em termos de atração de novos investimentos na mineração?

O Chile tem se destacado por ser o principal destino dos investimentos na América Latina. Em 2023, teve a participação de 6,5% do orçamento global desses investimentos, com 833 milhões de dólares. No âmbito da produção mineral, apresentou as maiores produções globais de cobre (24%) e de lítio (24%).

Dentre os fatores que fazem do Chile um destino atraente para investimentos em mineração estão a geologia favorável; a regulamentação propícia aos investidores; a estabilidade econômica e política geral; a maturidade como jurisdição mineira, com estradas e infraestruturas portuárias desenvolvidas; além de recursos humanos qualificados.

Todavia, o Brasil também apresenta diversos pontos de atratividade e de competitividade no setor mineral, incluindo inúmeras áreas inexploradas, grande diversidade de minerais e de mercado, assim como histórico positivo na indústria de mineração.

11 – Por conta do Lítio, do Níquel e de Terras Raras, desenha-se um ciclo de novos projetos de mineração, principalmente por conta da transição energética. É ainda cedo para se falar que um novo “boom” está no horizonte devido essa tendência para a transição?

Não é cedo, pois a demanda pelo uso de tecnologia de energia limpa de baixo carbono tem sido prioritária na busca de soluções para redução da emissão de gases de efeito estufa e de impactos nas mudanças climáticas.

 Em 2023, a procura por lítio teve um aumento de 30%, especialmente por conta dos veículos elétricos. Níquel, grafita, cobalto e terras raras tiveram aumento de 8 a 15%, conforme dados apresentados pela Agência Internacional de Energia (IEA) no documento Perspectiva sobre Minerais Críticos 2024.

 Em um contexto mais conservador, como o Cenário de Políticas Declaradas (Stated Policies Scenario – STEPS), que fornece uma análise baseada nas políticas energéticas e climáticas atualmente em vigor, a demanda por minerais críticos poderá dobrar até 2030.

 Portanto, vislumbra-se a possibilidade de ocorrência de um “boom” na atividade de exploração e produção de minerais críticos, mas que dependerá de fatores de cada país, incluindo geologia favorável, previsibilidade e segurança jurídica para investimentos, mecanismos de financiamento, licenciamentos socioambientais, ações para reduzir a dependência de fornecedores externos, avanços tecnológicos na pesquisa/produção mineral, dentre outros.