Por Gabriel Klein Wolfart*

Observam-se, a partir de declarações de empresas e profissionais que atuam na área mineral, corriqueiros embates entre à proteção do meio ambiente e a realização da extração mineral, sobretudo nas hipóteses em que o título mineral recai sobre Unidades de Conservação da Natureza, instituídas pela Lei n° 9.985/2000. Entretanto, a legislação brasileira ainda carece de regras claras no que concerne à possibilidade de lavra no interior destes espaços protegidos. Inicialmente, não se pode olvidar da característica da rigidez locacional das jazidas minerais, ou seja, que a ocorrência do bem mineral originou-se por meio de ações naturais que ocorreram ao longo de milhares de anos, sendo que o local onde o minério se encontra depositado independe da vontade do minerador, podendo facilmente localizar-se no interior de uma unidade de conservação e inexistir alternativa técnica locacional para a exploração da jazida em outra área, o que ocorre de forma diversa, por exemplo, em uma indústria, onde, se houver impedimentos ambientais, esta pode escolher outro local para se instalar. Ainda, é importante frisar que desde o ano de 1.941, com a publicação do Decreto-Lei n° 3.365/1941, que regula a desapropriação, a mineração foi alçada ao patamar de utilidade pública.

Nos idos de 2006, com a publicação da Resolução Conama 369, a mineração foi inserida, além do status de utilidade pública que já lhe conferia a lei, como uma atividade de interesse social, o que foi reproduzido na edição do Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012), em seu artigo 3°, inciso VIII, alínea ‘b’, e inciso IX, alínea ‘f’, o qual menciona: “Art. 3o – Para os efeitos desta Lei, entende-se por: VIII – utilidade pública: b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho. IX – interesse social: f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente”. Portanto, a análise de casos concretos para a expedição de licenças ambientais e/ou questões relacionadas à mineração realizadas por Gestores Públicos, Órgãos Licenciadores, Poder Legislativo e Judiciário, deve ocorrer de forma a considerar a característica da rigidez locacional e a extrema importância que a mineração representa para o desenvolvimento do país, de forma a não incorrer em extremos e impedir o desenvolvimento sustentável da nação brasileira.

 

“Legislação brasileira ainda carece de regras claras no que concerne à possibilidade de lavra no interior destes espaços protegidos”, Wolfart

Vencida esta abordagem inicial, é importante verificar que a Lei 9.985/2000, ao instituir e classificar as Unidades de Conservação, realizou uma distinção entre Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável , sendo que, com exceção da Reserva Extrativista (onde há expressa proibição em lei – artigo 18, §6°), nada tratou a respeito da realização da atividade de mineração no interior destes espaços.

Da mesma forma, não existe previsão específica a respeito deste tema na Constituição Federal, Código de Minas (também não existe no atual projeto do Novo Código que tramita na Câmara dos Deputados Federais), Código Florestal e/ou outras leis. Observa-se a ocorrência de leis que tratam de assuntos semelhantes e que poderiam ser utilizadas por analogia para a realização da atividade mineral nas Unidades de Conservação. Como exemplos, o atual Código Florestal permite a realização de atividades de utilidade pública e interesse social (mineração) em Áreas de Preservação Permanente; a Lei da Mata Atlântica (Lei n° 11.428/2006) permite a realização da atividade de mineração no respectivo bioma; no Decreto de criação da Floresta Nacional do Amana, estado do Pará, possibilita-se a realização da atividade; e por fim a previsão contida no artigo 17° da Lei n° 7.805/1989, que menciona: “A realização de trabalhos de pesquisa e lavra em áreas de conservação dependerá de prévia autorização do órgão ambiental que as administre”. Ainda, pode ocorrer a previsão da realização da atividade minerária em Unidades de Conservação em Leis Estaduais, Municipais e também nos Planos de Manejo das Unidades de Conservação, onde cita-se o exemplo da Área de Proteção Ambiental Serra Dona Francisca, criada pelo Decreto n° 20.451/2013 do Município de Joinville, onde foi prevista a realização da atividade minerária no Plano de Manejo da respectiva unidade.

Desta forma, apesar de existirem algumas leis esparsas e outros instrumentos tratando de pontos específicos a respeito da matéria, a legislação pátria ainda carece de um regramento específico sobre a realização da atividade de mineração em Unidades de Conservação. Conhecendo a problemática, nos últimos anos foram apresentados os Projetos de Leis n° 5.722/2009 e 3.682/2012 na Câmara dos Deputados Federais, no intuito de regulamentar a matéria e por fim às discussões, entretanto ambos os projetos encontram-se atualmente arquivados.

Neste ínterim, inúmeros títulos e requerimentos minerários se encontram em tramitação no DNPM, o qual, no intuito de padronizar suas decisões, emitiu o Parecer n° 525/2010/FM/PROGE/DNPM, onde, em síntese, decidiu-se pela vedação à realização da atividade de mineração em todas as Unidades de Proteção Integral, nas Reservas Extrativistas e Reservas Particulares do Patrimônio Natural, sendo permitida nas demais Unidades de Uso Sustentável e nas zonas de amortecimento, corredores ecológicos e &aac
ute;reas circundantes de qualquer espécie de Unidade de Conservação, ressalvada a necessidade do licenciamento ambiental . Inclusive, o respectivo parecer já foi citado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n° 1.399.898-PR.

Diante do exposto, verifica-se a extrema necessidade de regular-se a matéria por Lei Federal, evitando desta forma a insegurança jurídica que permeia os títulos minerários inseridos dentro de Unidades de Conservação, sejam elas já existentes ou em processo de criação, tanto no aspecto relacionado ao DNPM, que tem utilizado o supracitado parecer (que não possui força de lei) em suas decisões, quanto em relação aos órgãos ambientais, que por vezes eximem-se de expedir as respectivas licenças por falta de previsão legal, ou, quando expedidas, são questionados pelo Ministério Público, prejudicando sobremodo a realização de investimentos no setor mineral.

1Para fins didáticos, as Unidades de Proteção Integral dividem-se em Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre; e as Unidades de Uso Sustentável dividem-se em Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural.

2 À título de esclarecimento, o respectivo parecer diz respeito tão somente a atuação do DNPM, não condicionando o órgão competente a expedir a licença ambiental.

*Gabriel Klein Wolfart, advogado com especialização em Direito Ambiental e professor da Associação Catarinense de Ensino (ACE)

Fonte: Revista Minérios & Minerales