Reforçar ou desativar barragens de rejeito: não há razões técnicas para não fazer

Como editores da revista O Empreiteiro há mais de cinco décadas, acompanhamos – muitas vezes in loco – a trajetória da engenharia brasileira que dominou com segurança as técnicas de construção das barragens das hidrelétricas.

Os primórdios dessa história remontam à usina de Paulo Afonso, iniciada em 1949 no rio São Francisco, na Bahia, quando uma caverna gigantesca foi escavada no canyon. Ela teve a missão
estratégica de fornecer energia para o desenvolvimento do Nordeste.

Estivemos em Ilha Solteira, no Estado de São Paulo, onde se empregou pela primeira vez escamas de gelo na mistura do concreto a ser lançado na barragem, para combater o calor de hidratação; visitamos o canteiro de obras de Tucuruí, a maior hidrelétrica então erguida na Amazônia; e para coroar essa trajetória, testemunhamos a construção de Itaipu — a usina de
maior capacidade média de geração no mundo, de 12.600 MW, superando a Três Gargantas, na China, embora a capacidade nominal desta fosse superior.

Eis que por circunstâncias não inteiramente identificadas ainda, ocorre a tragédia do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, e dois anos depois, repete-se a ruptura em proporções
muito maiores na de Brumadinho, ambas em Minas Gerais.

Por mais dolorida a lembrança das perdas em vidas humanas, enquanto as investigações das causas prosseguem, a engenharia se obriga a voltar para a urgência em elevar o padrão de
monitoramento das barragens de rejeito existentes e dimensionar os trabalhos de reforço das estruturas sob condições de risco e sua eventual desativação.

Podemos afirmar com segurança que tais tarefas são inteiramente compatíveis com a capacitação das empresas de engenharia operando no País. As tecnologias de monitoramento em
tempo real – via radar, scanner e instrumentos estão prontamente disponíveis de fornecedores como Leica/Hexagon e Maptek.

Empresas de consultoria já divulgaram que podem simular os danos em caso de rompimento de barragem, permitindo que se projetem obras que possam mitigar os impactos. Quanto
às obras de reforço ou desativação, as proprietárias dessas barragens de rejeito precisam tomar a decisão de executá-las — e como viabilizar seus custos, que afinal é a questão crucial.

Empresas projetistas devem ser convocadas para os estudos e firmas especializadas em geotecnia e fundações podem executar as obras específicas. Será preciso ainda erguer novas edificações
para realocar famílias que habitam em áreas de risco imediato.

Às agências governamentais, cabe fiscalizar os trabalhos. A demora em tomar a decisão em reforçar ou desativar as barragens de rejeito multiplica os riscos potenciais dos danos em caso de
ruptura. Não existem razões técnicas para não fazer.