Grupo de pesquisa da UFMG realizou testes com micro-organismos que têm potencial de separar minérios

Há mais em comum entre a Antártica e Minas Gerais do que os pães de queijo servidos durante o lanche no Navio Polar Ary Rongel, que acomodou a reportagem de VEJA na etapa final da expedição ao continente gelado. Desde 2006, o mineiro e microbiologista Luiz Henrique Rosa, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), participa do Programa Antártico Brasileiro (ProAntar), no qual desenvolveu o MycoAntar, projeto que estuda a diversidade e a bioprospecção de fungos no continente gelado. Ao longo dos quase quinze anos de trabalho, o grupo de pesquisa identificou espécies da região, descobriu micro-organismos com potencial para serem usados nas indústrias de fármacos, alimentícia, aviação, entre outras, e está empenhado em abrir mais um caminho para a exploração científica na Antártica.

Em 2017, a aluna de pós-graduação em microbiologia da UFMG, Bárbara Porto, orientada por Rosa, coletou as primeiras amostras para um novo estudo em áreas chamadas de yellow points (local amarelo, em inglês). A coloração do solo é um aspecto importante porque a tonalidade indica que há enxofre na terra, elemento químico que torna o ambiente mais ácido do que outros. O objetivo é encontrar fungos resistentes a essa característica e, principalmente, que produzam ácido. Além da microbiologia, o estudo é feito em parceria com o geógrafo Fábio Oliveira, da área de geologia da mesma universidade.

A relação com o estado mineiro vai além da naturalidade do pesquisador. Quando a espécie ideal for descoberta, ela poderá ser usada para o processo de biolixiviação, o uso de micro-organismos para a obtenção de metais a partir de minérios de baixo teor e rejeitos da mineração – como os que vazaram após o rompimento das barragens das mineradoras Samarco, em 2015, e da Vale, em 2019, no distrito de Bento Rodrigues e em Brumadinho, respectivamente. Nas duas tragédias, 289 pessoas morreram e os rios Doce e Paraopeba foram contaminados. No contexto antártico, o estudo é inédito.

“Sou nascido e criado em Belo Horizonte. É triste ver as montanhas indo embora. Existe um problema na mineração e a ciência pode contribuir para diminuir o impacto ambiental. Espero encontrar uma alternativa sustentável com a pesquisa antártica e levar uma solução para o Brasil”, explicou Rosa. Os primeiros resultados com rejeitos de mineração foram obtidos no início de janeiro e apresentaram bons resultados, mas, ressalve-se, ainda preliminares.

A pesquisa identificou uma espécie que extraiu magnésio e, principalmente, manganês. Em comparação com o teste de controle (onde o fungo não foi aplicado), o resultado de obtenção do minério foi o dobro. O fungo passou 28 dias em contato com uma amostra de rejeito da região de Itabirito, onde a mineradora Vale também opera. O nome da espécie ainda não pode ser divulgado, pois o grupo tentará patentear a descoberta, o que poderá, um dia, gerar recursos para o Brasil.

Segundo a Vale, “o manganês é o quarto metal mais utilizado do mundo. Ele é essencial na fabricação de aço e também de ferroligas, combinações de ferro com um ou mais elementos químicos, como o próprio manganês. Apesar de quase 90% da produção de manganês ser destinada ao setor de siderurgia, suas aplicações incluem ainda a fabricação de fertilizantes, de rações animais e de carros. O Brasil possui 10% das reservas mundiais de manganês, atrás apenas da Ucrânia (24%), África do Sul (22%) e Austrália (16%). A Vale é a maior produtora de manganês no Brasil e responde por cerca de 70% do mercado nacional”.

Na mineração, o rejeito é o resíduo do tratamento do material extraído na mineração, que pode ser ferro, cobre, ouro, entre outros. Normalmente, grandes blocos de rocha e terra precisam ser triturados, lavados e peneirados continuamente. Depois de isolar a parte de interesse, o restante se torna uma espécie de lama, por causa do uso de água, que é mantida em barragens. Rosa explicou que ainda há muito material com valor econômico misturado aos rejeitos, como ferro e manganês, e que a biolixiviação com o fungo antártico poderá ser uma forma de reaproveitar o material descartado nas barragens. Além do possível retorno financeiro, um dos objetivos é diminuir o impacto ambiental da mineração. Com o avanço da pesquisa, a expectativa é encontrar espécies que também reajam à presença de ferro, por exemplo, e que poderiam ser usadas para diminuir o estrago causado pelo rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho.

“Ao retirar mais do rejeito, será possível diminuir a mineração bruta. Não é necessário cavar outro buraco, explorar mais. É uma ideia e quero trazer a Antártica para esse panorama. A partir disso, outros pesquisadores poderão se interessar pelo assunto e fazer o mesmo. Todos ganham”, afirmou. Mesmo ainda em fase de testes, apenas a ciência pode permitir imaginar um horizonte com menos lama e mais montanhas, no qual a solução talvez esteja no caminho para o extremo sul do mundo.

FONTE: VEJA