Minérios de Níquel Laterítico: Gênese

Rochas expostas na superfície terrestre sofrem um processo gradual de decomposição pela ação do ar, água, variação de temperaturas (calor/frio) caracterizado por reações de hidrólise em resposta aos mecanismos de intemperismo físico (desmantelamento mecânico da rocha exposta) e químico (colapso de estruturas cristalinas de minerais) que liberam íons metálicos os quais são incorporados às soluções que transitam no perfil de laterização em direção à base da zona de intemperismo (ou frente de laterização).
Quando esse processo se desenvolve sobre rochas que contém níquel, pode ocorrer uma acumulação significativa em termos de teor e extensão a ponto de serem considerados minério de níquel. Processos de laterização são comuns em regiões intertropicais (trópicos de Câncer e Capricórnio).

Depósitos de níquel laterítico (supergênicos) são derivados de rochas ígneas ultramáficas denominadas genericamente de peridotitos que, por sua vez, se apresentam com altos conteúdos de olivinas – (Mg,Fe,Ni)2SiO4 – onde o conteúdo de níquel é de aproximadamente 0,25%.

Alguns fatores importantes para o desenvolvimento de depósitos residuais de níquel são:
níquel
Esses parâmetros atuam de forma inter-relacionada no desenvolvimento do perfil laterítico individualmente, na distribuição de corpos de minério em relação à superfície topográfica e na distribuição global desses depósitos.
Processos de laterização responsáveis pelo desenvolvimento de perfis de intemperismo (ou perfis de laterização) estão diretamente relacionados a mecanismos de dissolução de minerais, movimento de íons metálicos em solução e precipitação de metais solubilizados em outro local. Assim sendo, entender a estabilidade de minerais e padrões de circulação de água em direção ao lençol freático é essencial uma vez que a solubilidade de minerais significa mineral sendo destruído (liberando íons) e novos minerais sendo gerados (precipitação de íons) em situações cuja dinâmica é controlada pelo pH (acidez/basicidade) do meio.
Condições de pH determinam uma hierarquia em relação a solubilidade (ou não solubilidade) dos metais e um bom exemplo pode ser o ferro em que Fe+++ é reduzido para Fe++ em soluções de acidez alta (pH entre 5 e 6 no topo do perfil laterítico) ou soluções básicas (pH entre 7 e 9 na base do perfil).
Olivinas – mineral essencial na constituição de peridotitos – são o principal hospedeiro do níquel disponibilizado em solução segundo algumas reações:
olivina
Outra reação relevante que ocorre durante no caminho de dissolução de minerais é a troca iônica que acontece com minerais de composição química complexa como serpentina, argilas esmectiticas, garnierita e óxidos-hidróxidos de manganês (asbolana).

A reação de troca iônica em lateritas niquelíferas é a substituição do níquel por magnésio na rocha ultramáfica serpentinizada via soluções que circulam no perfil de laterização segundo a reação:

Reações envolvendo precipitação ou substituição de Ni por Mg requer a passagem de soluções contendo Ni em meio onde o pH é baixo (ácidos) para outro de alto pH (básicos). No perfil de laterização as condições de acidez elevada ocorrem no topo do perfil (próximo à superfície) e condições de baixa acidez na base do perfil (próximo ao nível do lençol freático). Em áreas que se apresentam com topografia aplainada e nível do lençol freático é raso, o perfil de laterização tende a não desenvolver um horizonte de saprolito destacado.

A hierarquia em relação à instabilidade dos minerais em superfície (controlada pelo pH) define uma distribuição seletiva de íons metálicos colocados em solução com o colapso de estruturas cristalinas dos minerais que entram nas estruturas cristalinas de minerais neoformados que tem reflexo na organização de zonas (horizontes) do perfil laterítico com características mineralógicas bem distintas.

Minerais com solubilidade posicionados no topo do diagrama mostrado na Figura 1 tendem a se posicionar na base do perfil de laterização (pH 5 ou 6) e, por outro lado, minerais posicionados na base desse diagrama se instalam no topo do perfil (pH 7 a 9).

De maneira geral, um perfil de laterização completo do topo para a base se apresenta estruturado conforme mostrado a seguir:

  • Zona Limonítica (ou Zona Ferruginosa)

Contém predominantemente goetita e, se hematita está presente, significa Zona Limonítica mais antiga. Limonita pode ser remobilizada em superfície sob condições ácidas e, depois, se recristalizar como cangas (ferricrete). Minerais resistentes ao intemperismo químico como espinélios (magnetita, cromita, etc.) podem estar presentes. Na base desse horizonte, cobalto e níquel se concentram associados a concreções de óxidos de manganês e ferro com teores da ordem de 0,10% Co e 1,2% Ni.

  • Zona Nontronítica-Quartzo (ou Zona Intermediária)

Predomina argilas nontroníticas e quartzo microcristalino. Dependendo de características relacionadas ao clima, topografia e constituição mineralógica dos peridotitos serpentinizados, este horizonte pode não se desenvolver. Quando existe, é comum a presença de microconcreções de óxidos de ferro e manganês enriquecidas em cobalto e níquel (teores semelhantes, acima) posicionadas no topo deste horizonte e imediatamente abaixo da Zona Limonítica.

  • Zona Saprolítica (Minério Serpentinítico)

Corresponde basicamente ao peridotito serpentinizado intemperizado onde as estruturas e texturas originais da rocha-mãe estão preservadas. É nesta zona que ocorrem concentrações mais expressivas de níquel no perfil de laterização com teores de até 3% Ni (ou mais), magnésio em patamares de 24% e sílica próximo de 35%.

Em cada uma dessas zonas do perfil de laterização, os minerais neoformados obedecem à hierarquia controlada pelas condições do pH, pelo padrão de circulação da água no perfil e, também, pelas características mineralógicas da rocha original. Peridotitos serpentinizados frescos (não intemperizados) se apresentam com teores médios de 0,25 % Ni e, considerando-se uma “taxa de enriquecimento” da ordem de 6:1 produzirá minério de níquel laterítico com teores de 1,5% que, dependendo das condições de mercado e infraestrutura, pode ser atrativo para lavra e processamento.

Em escala regional (global) há duas situações distintas relacionadas à dinâmica de circulação da água nos perfis de laterização:

  • Regiões de clima equatorial:

O perfil de laterização se apresenta constantemente úmido e continuamente lixiviado. Nessas regiões os índices pluviométricos são altos (até 3.000 mm/ano) e a presença de densas coberturas vegetais (florestas tropicais) favorece uma maior retenção de água na superfície (algo em torno de 60%) que, infiltrada no solo, se movimenta (percola) no perfil de laterização em direção ao nível do lençol freático. Pelo fato de acontecer constante recarga de água (no perfil), as concentrações de metais em solução alcançam níveis de saturação nas proximidades do lençol freático. Nessas condições, o perfil de laterização é caracterizado pela Zona Limonítica (topo) e Zona Saprolítica (base).

  • Regiões de clima tropical:

O perfil de laterização é sazonalmente lixiviado o que significa uma circulação restrita de água no perfil promovendo a geração de esmectitas (minerais silicatados argilosos). Climas secos favorecem a formação de horizontes nontroníticos (nontronita substituindo minerais primários como serpentina). Nas áreas onde o sistema de drenagem é bem desenvolvido, a Zona Limonítica tende a ser substituída por cangas (ferricrete) e a zona saprolítica é argilosa (soft) no topo gradando para saprolito duro (hard saprolite) em direção à base desse horizonte onde é comum a presença de veios de garnierita (que reflete altas concentrações de níquel no saprolito). Nas áreas onde o sistema de drenagem é pouco desenvolvido, o perfil de laterização é semelhante, mas o enriquecimento de níquel na Zona Saprolítica é moderado e, neste caso, zonas silicosas (sílica boxwork e/ou jaspilitos) substituem as faixas nontroníticas da Zona Nontronítica (acima deste horizonte).

Em termos gerais, mineralizações de níquel laterítico são restritas a solos lateríticos desenvolvidos sobre rochas ultramáficas (com grau de serpentinização variado) em zonas de clima tropical a subtropical sendo que, fatores associados à evolução geomorfológica (processos erosivos) podem remover parcial ou integralmente o perfil de laterização mineralizado ou não.

Áreas extensas com grandes exposições de rochas ultramáficas representam porções do manto superior alçadas para a superfície em zonas de obducção (falhas de empurrão em bordas de arcos de ilha). Vários depósitos comerciais de níquel laterítico conhecidos estão posicionados nesse contexto (Nova Caledônia, Indonésia, Filipinas, Cuba, República Dominicana e Guatemala).
No Brasil, é abundante exposições de rochas ultramáficas (geralmente serpentinizadas, de de idades Pré-cambriana) com depósitos comerciais de níquel laterítico de grande extensão em operação (Niquelândia, Barro Alto, Onça Puma). Atualmente, na região de Conceição do Araguaia/PA há um projeto ambicioso em fase avançada com metas para produção de ferro-níquel via processo pirometalúrgico.

Basicamente há duas rotas de processamento para recuperar níquel economicamente a partir de minérios lateríticos: processo hidrometalúrgico e pirometalúrgico sendo que as características físico-químicas do minério níquel laterítico é determinante para definir qual o caminho adequado.

No caso de processamentos hidrometalúrgicos há basicamente duas alternativas para recuperar níquel e cobalto (via processos de lixiviação-eletrólise) a partir de minérios lateríticos da Zona Limonítica (altos teores de ferro e baixo magnésio e sílica), a saber:

  1. Processo HPAL (High Pressure Sulfuric Acid Leach/ Lixiviação ácida sob alta pressão): Plantas operando em Moa Bay/Cuba e Murrin-Murrin/Austrália recuperando Ni e Co metálico a partir de minérios com altos teores de ferro (47 – 48%), baixo magnésio (1-2%) e sílica (3-4%).
  2. Processo Caron (Atmospheric Pressure Ammonia Leach/ Lixiviação amoniacal): Plantas instaladas em Nicaro/Cuba e Niquelândia/Brasil (CNT – Cia Níquel Tocantins) que recuperam Ni e Cobalto metálico a partir de minério – neste caso – com teores de ferro ligeiramente mais baixos (38%), magnésio (8%) e sílica (14%).

No caso do processamento pirometalúrgico (RKEF-Rotary Kiln-Electric Furnace) o minério laterítico é lavrado na Zona Saprolítica com teores de ferro abaixo de 20%, magnésio a 24% e sílica em torno de 35% para produzir ligas ferro-níquel. Neste processo, a presença de cobalto e Fósforo é fator negativo (torna o aço quebradiço) e, portanto, devem ser eliminados (escória) em etapa do processamento de controle de qualidade (refino). No Brasil plantas pirometalúrgicas produzem ferro-níquel em Niquelândia/Anglo American, Barro Alto/Anglo American e Onça-Puma/Vale.

As projeções futuras para atender demandas de baterias íon-lítio para armazenamento de energia limpa (eólica, solar) e especialmente atender a indústria de veículos elétricos e híbridos gera expectativas otimistas no mercado de lítio, cobalto, níquel, cobre e grafita utilizados na construção dessas baterias.

Segundo relatório da Roskill (https://roskill.com/market-report/cobalt/) preços de cobalto (LME) alcançaram, em 2018, patamares de valores mais altos em relação aos últimos 10 anos (US$10,000/ton Co). Esse relatório sugere que “demandas de cobalto para atender a indústria de baterias podem atingir 240.000 ton em 2027 (mais do que o dobro das necessidades do mercado hoje) ”.

Mais de 90% da produção global de cobalto tem origem (como subproduto) nas operações que produzem níquel (magmático e laterítico) ou cobre (Copperbelt Province) em sua porção na República Democrática do Congo que responde, sozinho, por aproximadamente 50% da produção de cobalto mundial.
Nota: Este texto foi elaborado com base na experiência do autor nesse assunto e em transcrições a partir do paper de autoria de Golightly, J.P., 1979, Nickeliferous laterites: A general description. International Laterite Symposium – The American Institute of Mining, Metallurgical, and Petroleum Engineers, Inc., paginas 3 a 24.