Por Vitor Mirim
Nos dias atuais, segundo dados do Banco Mundial, cerca de 55% da população no planeta (4,2 bilhões de habitantes) vivem em cidades, sendo que para o ano de 2050 as projeções indicam que a população urbana deve dobrar, com previsão de que 7 em cada 10 pessoas estarão vivendo nas cidades (https://www.worldbank.org/en/topic/urbandevelopment/overview).
Outros dados interessantes são apresentados pelo International Finance Corporation’s (IFC) que informa: (i) mais de 80% do GPD (Produto Interno Bruto) global é gerados pelas cidades, (ii) 75% de todos os recursos produzidos são consumidos nas cidades e (iii) 70% das emissões globais de CO2 são originados nas cidades (https://www.commdev.org/work/cities-urban-communities/).
Admitindo-se que essas estatísticas estão próximas da realidade (dados confiáveis), fica evidente que os grandes desafios globais no futuro próximo estarão relacionados, irrefutavelmente, a: (i) desenvolvimento urbano sustentável (infraestrutura, estradas, moradias, transporte, energia, alimentação, lixo, água, etc.), (ii) mudanças climáticas, (iii) escassez de recursos (commodities minerais, agropecuários), (iv) controle de epidemias e, mais importante, (v) diminuição/erradicação da pobreza (esperança de muitos).
Com esse cenário em vista, não é difícil perceber que todos os sistemas produtivos (em qualquer setor, independentemente do seu porte) estarão desenvolvendo soluções/alternativas sustentáveis de produção, focados na melhoria dos seus processos industriais como redução de consumo de energia, emissão de CO2, manejo de água, gerenciamento de resíduos industriais, entre outros. Da mesma forma, em áreas urbanas, desenvolver estratégias eficazes para gerenciamento de resíduos residenciais e proteção de mananciais hídricos nos seus entornos. Lixo urbano significa risco potencial de contaminação de águas subterrâneas (lençol freático) e mananciais hídricos em superfície por metais como mercúrio, chumbo, zinco, níquel, lítio, entre outros.
Assim sendo, não é necessário muito esforço para perceber que o desenvolvimento social (melhoraria da qualidade de vida das pessoas nas cidades e comunidades), em qualquer parte do planeta, depende do equilíbrio entre demanda e produção de commodities (custos) onde o parâmetro sustentabilidade é vital.
Nesse cenário, o setor mineral tem uma participação crucial e, em razão disso, já se movimenta implementando diretrizes e estratégias de produção sustentados em princípios de sustentabilidade. Um bom exemplo dessas iniciativas é a publicação no início de agosto/2020, da minuta final do “Padrão Global da Indústria para a Gestão de Rejeitos, apresentando diretrizes visando “atingir o objetivo final de evitar qualquer dano às pessoas e ao meio ambiente, com tolerância zero para fatalidades humanas” (https://globaltailingsreview.org/wp-content/uploads/2020/08/global-tailings-standard_PT.pdf).
Essa é uma iniciativa importante porque aborda diretrizes para gerenciamento de riscos na gestão de estruturas para disposição de rejeitos de mineração que, por sua vez, é parte de agenda mais ampla que tem estreita relação com planejamento para fechamento de minas por exaustão das reservas minerais ou por cenários econômicos adversos.
Extrair metais ou outros elementos de minérios significa assumir compromissos e responsabilidades sociais e ambientais, considerando impacto ambiental relacionado ao tipo de commodity a ser explotado.
Licenciamento social é um novo pilar para orientar decisões de investimentos (stakeholders) em novos projetos ou expansão/melhorias nos processos de lavra e beneficiamento de minérios nos projetos em operação, que, necessariamente, dependem da aprovação de órgãos reguladores (ANM, IBAMA, ANA, etc.). O acesso de recursos financeiros para grandes projetos mineiros, em bancos ou qualquer instituição financeira, está atrelado às condições/estratégias ou diretrizes de gestão de risco ambiental e social apresentada pelo empreendedor. (https://equator-principles.com/about/).
O caminho para iniciar produção (mina e processamento) é longo e pode ser resumido em 4 etapas (exemplo para um projeto “greenfield” de minerais metálicos não ferrosos como Cu, Ni, Zn, entre outros e Au):
Etapa 1 – Exploração:
A meta é identificar ambiente geológico-estrutural com vocação para hospedar o tipo de commodity de interesse, considerando-se, primeiramente, a situação de direitos minerários, terras indígenas, quilombolas, unidades de conservação, reservas extrativistas, na região a ser pesquisada. Significa rastrear, em superfície, rochas e estruturas geológicas que possam indicar a presença de mineralização (ou sinais de processos de alteração hidrotermal associados ao tipo de mineralização de interesse).
Geólogos responsáveis pelo programa de exploração utilizam dados de sensoriamento remoto (imagens de satélite), topografia (modelo digital de terreno), geofísica aérea (quando disponível) para integrar, processar e extrair informações que possam gerar insights de exploração (alvos) a serem testados com amostragens geoquímicas exploratórias e mapeamento geológico.
Por exemplo, anomalias geoquímicas de solo associadas a contexto geológico-estrutural favorável, são testadas com levantamentos geofísicos terrestres (normalmente método eletromagnético) para rastrear corpos condutores em subsuperfície (concentrações de sulfetos), que possam espelhar as anomalias geoquímicas identificadas em superfície. Se o condutor é confirmado, estes são testados com programa de sondagem exploratório. No caso de os resultados de sondagem exploratória serem positivos, temos a descoberta de um novo depósito mineral, sendo possível, nesta etapa, fazer estimativas de recursos minerais.
Deposito mineral descoberto, inicia-se os estudos de viabilidade técnico-econômica, o que significa desenvolver programa de sondagem detalhado (infill drilling) com a finalidade de se conhecer, com maior precisão, a geometria e distribuição de metais no (s) corpo(s) de minério(s) bloqueado(s) e, ao mesmo tempo, gerar dados de sondagem que permitam classificar os recursos minerais (identificados por sondagem exploratória) em reservas medidas e reservas prováveis. Dependendo da complexidade da estrutura geológica que hospeda o(s) corpo (s) mineralizado (s), furos adicionais de sondagem poderão ser necessários para garantir segurança/confiabilidade nas estimativas de reservas medidas (e reservas prováveis), que, por sua vez, embasam tomadas de decisões para novos investimentos.
Se o programa de sondagem (infill drilling) é tecnicamente bem conduzido, as incertezas geológicas serão reduzidas no que se refere a volumes (ou tonelagens) estimados e isso permite definir – com segurança – planos de lavra, tipos e dimensões de equipamentos para operar nas frentes de lavra e na planta de processamento.
Amostras de grande volume (bulk samples) são coletadas para realização de ensaios de bancada e testes metalúrgicos para extração de metais do minério.
Nota: Todos os trabalhos são executados dentro de protocolos previamente estabelecidos baseados em normas CBRR, ou similares NI-43101, JORC, visando a atender quaisquer auditorias interna e/ou externa relacionadas a QA/QC, segurança ocupacional, saúde de trabalhadores e meio ambiente.
Paralelamente são realizados estudos (simulações de custos) com base em parâmetros econômicos como demandas de mercado, preços de commodities, infraestrutura, logística, definição de estratégias para gerenciamento de água industrial (reuso), estudos geotécnicos para definição de locais para disposição de rejeitos de mineração e pilhas de estéril, controle de drenagem ácida, entre outros.
Nesta fase, todas as atividades de pesquisa são autorizadas mediante LP – Licença Prévia que será substituída pela LI – Licença de Instalação a partir de resultados de estudos de avaliação de impacto ambiental detalhado, objetivando identificar, caracterizar riscos socioambientais de maneira a atender a legislação mineral e ambiental vigentes. Relatórios EIA/RIMA serão submetidos à consulta pública com a presença de representantes dos órgãos reguladores, poder público local, ONGs, associações comunitárias e outras partes interessadas para discutir aspectos positivos e negativos do empreendimento e decidir por sua aprovação ou não (licença social). Uma vez aprovado os termos e compromissos apresentados nos relatórios EIA/RIMA, a Agencia Nacional de Mineração – ANM publicará no DOU a Concessão de Lavra.
Etapa 2 – Desenvolvimento
A condição para início dos trabalhos nesta etapa é a aprovação de licença ambiental (LI – Licença de Instalação) por parte dos órgãos reguladores. Nesta etapa os trabalhos e investimentos são orientados para (i) desenvolvimento da mina, contemplando remoção da cobertura vegetal/solo e (ii) construção da planta de processamento onde o minério processado produzirá concentrados minerais, que serão estocados e transportados para plantas metalúrgicas para produção de metal refinado (ou bullions).
Etapa 3 – Produção
Nesta etapa a condição para a execução dos trabalhos é a aprovação da LO – Licença de Operação por parte dos órgãos reguladores. As atividades necessárias para iniciar a produção da mina incluem: (i) remoção da cobertura de estéril (open pit), (ii) abertura de shafts e galerias para acesso a minério (ore shoot em minas subterrâneas), (iii) detalhamento da reserva mineral nas frentes de lavra (sondagem), (iv) detonações e (v) transporte para a planta de beneficiamento. Em plantas de beneficiamento de minérios contendo metais base (Cu, Ni, Zn, entre outros), o caminho convencional para processamento inclui: (i) britagem/moagem, (ii) classificação, (iii) flotação, (iv) secagem, (v) disposição de rejeitos e (vi) estocagem de concentrados para transporte com destino às plantas metalúrgicas.
Etapa 4 – Fechamento da Mina
A indústria mineral se baseia na explotação de recursos não renováveis, então, a partir do momento em que a mina começa a operar, suas reservas minerais diminuem e, com o passar do tempo, os teores dos minérios remanescentes diminuem e isso significa necessidade de se movimentar mais volumes de minério para manter metas de produção (metal) planejadas. Isso acontece porque as plantas de beneficiamento estarão processando maior volume de minérios para compensar conteúdos de metais mais baixos e, consequentemente, geram maiores quantidades de rejeitos (resíduos sólidos e água industrial) que deverão ser armazenados em estruturas construídas pela engenharia para disposição desses rejeitos e áreas para receber material estéril produzidos no desenvolvimento da mina. Barragens de rejeitos e pilhas de estéril são construídos segundo normas rígidas (protocolos) de segurança, acompanhado/fiscalizado por órgãos reguladores competentes.
O fechamento de mina pode ser temporário, por condições adversas do preço dos commodities no mercado, ou definitiva, por esgotamento das reservas minerais. Então, a pergunta que pede resposta convincente é: O que fica para trás quando a mina é fechada?
Não há dúvida que a resposta a esse questionamento está diretamente relacionada ao planejamento para fechamento da mina das empresas, que, por sua vez, deve ser estruturado considerando o tempo de vida da mina e deve ser administrado abordando o gerenciamento de custos e provisões com o objetivo de deixar um legado positivo.
Esse é um tema que deve ser acompanhado e atualizado durante todo o ciclo de vida útil da mina porque alguns parâmetros que devem ser observados para embasar qualquer estratégia para planejar o fechamento da mina podem mudar (e mudam) no decorrer do tempo, por exemplo: (i) reavaliação de reservas, (ii) inovações tecnológicas, (iii) atualização de exigências legais, (iv) relacionamento com comunidades, (v) conhecimento mais detalhado dos impactos ambientais causados pela atividade de mineração, (vi) novos cenários de riscos e (vii) mudanças nas políticas corporativas (https://www.ibram.org.br/sites/1300/1382/00004091.pdf).
O fechamento de mina inclui, obrigatoriamente, o descomissionamento de barragens e recomposição (remediação) ambiental na área do projeto (inclui barragens de rejeitos, pilhas de estéril, edificações, etc.). Descomissionamento de barragens pode significar oportunidades para transformar rejeitos (ou água industrial enriquecida com metais de alto potencial poluidor) em recursos (reprocessando antigos rejeitos em plantas modernas que utilizam tecnologias mais eficientes) e por outro lado, a infraestrutura da mina como edificações (escritórios, galpões), redes de energia elétrica (geradores) e cavas (pits) podem ser reutilizadas como áreas de lazer, o que é um benefício para a comunidade local e é ótimo para a reputação da empresa em relação ao que se chama Licença Social.
Do ponto de vista estratégico parece mais sensato que todos os empreendimentos mineiros tenham a clareza de suas responsabilidades e dos custos (social, ambiental e financeiro) associados ao fechamento da mina.
Empreendimentos mineiros em operação (minas novas e antigas) precisam incluir em seus planos de desenvolvimento estratégico o tema fechamento de mina, para evitar necessidade de mitigação de prejuízos às comunidades onde estão instaladas.
Nesse contexto, é imprescindível incluir a questão dos garimpos de ouro na Amazônia. Na região do Rio Tapajós, Jacareacanga, Itaituba/PA, existe a Reserva Garimpeira do Médio Tapajós, criada pela Portaria Ministerial No 882 em 25/07/1983 com 2,84 milhões de hectares (1 hectare = 10.000 m2). Essa área é mais da metade da famosa área do RENCA (Reserva Nacional do Cobre e Associados), localizado na divisa dos estados do Para e Amapá.
Associações de garimpeiros e titulares de Concessões de Lavra Garimpeira que se veem como empreendedores no setor da mineração, têm enorme responsabilidade no gerenciamento do que podemos chamar de “fechamento de lavras garimpeiras” porque – como atividade relacionada à mineração – também estão sujeitas às mesmas regras determinadas pelos órgãos reguladores (Agência Nacional de Mineração, IBAMA, ANA e outros) que monitoram e fiscalizam as atividades relacionadas à indústria do setor mineral.
Finalizo com uma pergunta observando a foto (Imagem Google): O que ficará para tras quando os garimpos de ouro na Amazônia Legal fecharem por exaustão dos minérios nos igarapés e rios?
Goiânia, 21 de agosto de 2020
Geólogo Vitor Mirim