Montadoras e fornecedores investirão US$ 520 bilhões na fabricação de carros elétricos e baterias entre 2022 e 2026, o dobro das projeções do setor para os quatro anos anteriores. Mas esse crescimento expressivo pode ser impactado pela baixa oferta de alguns insumos fundamentais para essa indústria, como o lítio. Projeções da Agência Internacional de Energia (AIE) indicam que a demanda por este elemento pode crescer 40 vezes até 2040.

Para quem não sabe, a bateria de íon-lítio é a menina dos olhos da indústria de carros elétricos. Trata-se de um tipo de bateria recarregável muito utilizada em equipamentos eletrônicos portáteis e que agora abastece as baterias dos carros elétricos. Elas armazenam o dobro de energia que uma bateria de hidreto metálico de níquel e três vezes mais que uma bateria de níquel cádmio.

Nos Estados Unidos, um dos países à frente dessa transição da indústria automobilística, o setor está em alerta. A falta de oferta e a crescente demanda elevam os preços das matérias-primas necessárias para as baterias. 

Declaração recente do CEO da Piedmont Lithium, Keith Philips, à imprensa americana resume o momento atual: “O mundo mudou. Estamos agora em uma era onde todos vão querer um carro elétrico. As empresas de automóveis não podem fazê-los rápido o suficiente, e as pessoas agora estão procurando o lítio que precisam para as baterias irem nesses carros elétricos”. A Piedmont Lithium é uma das poucas empresas de mineração de lítio nos EUA. Dados da consultoria AlixPartners indicam que as vendas desses modelos podem alcançar um share de 33% do mercado em 2028 e 54% em 2035.

Com 8% das reservas mundiais desse mineral e fornecendo apenas 1,5% do volume consumido globalmente, o Brasil quer participar dessa corrida. Atualmente existem dois produtores de lítio no país: Companhia Brasileira de Lítio (CBL) e a AMG Brasil. Mas outras empresas já têm projetos em andamento.

Um deles está em implantação em Minas Gerais pela mineradora canadense Sigma Lithium, controlada pelo fundo de private equity brasileiro A10 Investimentos. A Co-Ceo da companhia, Ana Cabral-Gardner, disse recentemente que o Brasil está em uma posição “imbatível” para abastecer a América do Norte e a Europa. As razões são principalmente um decreto que flexibiliza as exportações do mineral, o que segundo o governo federal tem o potencial de viabilizar investimentos de R$ 15 bilhões na produção do minério até 2030.

O projeto da Sigma em Minas Gerais se chama Grota do Cirilo e está localizado no Vale do Jequitinhonha (MG), com fácil acesso ao Porto de Ilhéus (BA), por onde a produção será escoada para o mercado internacional. Terá potencial para fornecer lítio para bateria recarregável por 13 anos pela estimativa atual de recursos e já tem mais de 25% da construção concluída. 

A Grota do Cirilo tem o maior depósito de rocha dura de lítio das Américas. No local, a Sigma produz concentrado de lítio de grau bate- ria, ambientalmente sustentável, em escala piloto desde 2018. A ope- ração comercial é planejada com capacidade para 220.000 toneladas (33.000 toneladas de LCE) por ano na Fase I, subindo para 440.000 toneladas (65.000 toneladas de LCE) na Fase II. O projeto, é abastecido pelo rio Jequitinhonha, que fica bem ao lado, e está localizado a cerca de 50 km da Usina Hidrelétrica de Irapé, que fornece energia elétrica 

O outro projeto em andamento no Brasil pertence à Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), líder na produção e comercialização de produtos de Nióbio, e à canadense Nano One Materials Corporation. Elas apostam em uma tecnologia disruptiva que usa o nióbio para melhorar a performance das baterias de íon-lítio. A CBMM, localizada em Araxá (MG), estima produzir 50 mil toneladas/ano de dióxido de nióbio até 2030 para atender exclusivamente o setor automotivo. Hoje, o volume gira em torno de 10 mil toneladas/ano.

A Nano detém patente de tecnologia limpa de baixa emissão de carbono para a produção de materiais para catodos de alto desempenho usados em baterias de íons de lítio (denominado “Processo de uma Única Etapa”, do inglês One-pot process). No início deste ano as duas empresas anunciaram a conclusão bem-sucedida da primeira fase do acordo para o desenvolvimento de um revestimento com óxido de Nióbio para baterias, visando o mercado de veículos elétricos.

Patenteado pela Nano One, o processo One-Pot adiciona de forma economicamente viável um revestimento de nióbio em cada nanocristal a fim de proteger o cátodo de reações prejudiciais que podem causar uma rápida redução do desempenho. Segundo a CBMM, o One-Pot permite que essa cobertura seja formada de modo a aumentar significativamente a durabilidade dos materiais em baterias de íons de lítio, sem adicionar etapas de processo ou custos. Os materiais catódicos de cristal único revestidos de nióbio são aplicáveis a células  líquidas convencionais, bem como em avançadas células eletrolíticas de estado sólido.

De acordo com o Instituto Senai de Inovação em Eletroquímica, parceiro da CBMM nesse projeto, as pesquisas com o uso do nióbio nas baterias de íons-lítio estão na etapa de otimização e tiveram excelentes resultados relacionados à recarga rápida, segurança e maior durabilidade quando comparadas com as mesmas baterias sem nióbio.  

Em julho, o Senai Paraná inaugurou a primeira planta piloto de P&D de baterias de íons-lítio e supercapacitor do sul do país, que permitirá a produção e teste de novas tecnologias de baterias de lítio utilizando materiais nacionais.

Com a planta-piloto em operação, várias indústrias nacionais poderão se beneficiar, entendendo em detalhes o processo produtivo das baterias e, consequentemente, avaliarem como produzir matéria-prima nacional para as baterias de íons-lítio”, além da formação de recursos humanos qualificados, explica.

Os primeiros protótipos da tecnologia de bateria contendo nióbio produzidos no Instituto Senai de Inovação em Eletroquímica foram apresentados na Feira Brasileira de Nióbio. A planta piloto de produção de células de íons-lítio, planejada junto a especialistas em baterias da CBMM, foi instalada para atender a toda a indústria brasileira e é compatível com todos os formatos de baterias utilizados no mercado.

Folha de alumínio melhora performance

Outra empresa nacional que entrou nesse mercado, também por meio de uma parceria com o Senai Paraná, é a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA. Um dos componentes das baterias, utilizadas em dispositivos eletrônicos de consumo como smartphones, notebooks e principalmente em veículos elétricos, é a folha de alumínio – até então produzida no país apenas para embalagens e outras aplicações. A parceria prevê o seu uso nas baterias.

A folha de alumínio é um componente fundamental para o pleno desenvolvimento de baterias de íons-lítio. Como explicou Marcos Berton, pesquisador-chefe do Instituto Senai de Inovação em Eletroquímica, em comunicado no site do Senai,  “ela é utilizada como coletor de corrente no eletrodo positivo da bateria e influencia muito na capacidade e estabilidade a longo prazo. Com essa parceria teremos o domínio da tecnologia por meio de um projeto inovador. Para que haja um bom funcionamento, essa bateria deve ser produzida de forma minuciosa e com materiais de alta qualidade, neste caso, o alumínio”.

“A inserção do Brasil na rota do comércio internacional de insumos torna o projeto ainda mais relevante. O mercado de baterias de íons-lítio é global e, além de vender o alumínio como matéria-prima, a CBA poderá comercializar uma solução que atenda a proposta de valor e requisitos técnicos específicos deste mercado. Desta forma, será possível diversificar a gama de produtos da empresa voltadas para o segmento”, explicou, na mesma publicação, Fernando Wongtschowski, gerente geral de marketing estratégico e inovação da CBA.

CBL tem 4 milhões/t em reservas de lítio

A Companhia Brasileira de Lítio (CBL) opera sua mina subterrânea chamada Mina da Cachoeira, em Minas Gerais, onde é extraído o Pegmatito Litinífero, depois beneficiado até tornar-se concentrado de Espodumênio, utilizado na própria produção de compostos de lítio. A capacidade é de 36.000 ton/ano de Concentrado de Espodumênio (5.5% Li2O), e as reservas somam 4 milhões de toneladas.

A extração do minério, que contém o Espodumênio é feita através do método sublevel stopping, com rigorosos padrões de qualidade e segurança, incluindo operações com uso de pás carregadeiras comandadas por controle remoto, perfuratrizes Jumbo, software de sequenciamento de lavra e estudos e acompanhamento geomecânico das aberturas geradas durante a lavra. Atualmente, as galerias da Mina da Cachoeira atingem até 180m de profundidade e até 5km de extensão. 

A usina de beneficiamento é alimentada pelo Pegmatito Litinífero, que passa por britagem e classificação granulométrica, é processado em unidade de meio-denso, obtendo-se o concentrado de Espodumênio – produto final das operações da Mina da Cachoeira.