Esta história talvez fosse impensável, se não ocorresse na Suécia — um país considerado modelo em segurança social dos seus habitantes.
Mas a mina de Kiruna operada pela estatal LKAB, a 160 km ao norte em direção ao Polo Norte, dá empregos aos moradores da região desde 1890 e a lavra subterrânea já chegou aos limites do núcleo urbano original.
A maioria dos moradores concordou com o projeto da empresa em mudar fisicamente a cidade para uma distancia de 3 km, levando “intactas” cerca de 30 construções históricas como a igreja local, que era considerada a mais bela do país desde sua inauguração. É um programa conjunto da municipalidade, população e LKAB.
Esse projeto de realocação da cidade de Kiruna tem custo estimado em US$ 1 bilhão, bancado pela mineradora, conforme a legislação sueca sobre mineração. A maioria dos 10 mil habitantes — de um total de 40 mil habitantes na região de Malmgalten, dos quais 17 mil dependem de forma direta ou indireta da LKAB — topou em se mudar. Há quem reclame que o novo sítio não tem a paisagem deslumbrante que a cidade original desfrutava, que foi a primeira cidade projetada como núcleo urbano na Suécia, para alojar os trabalhadores da mina. O projeto novo aproveitou os desníveis da região e voltou a maioria das edificações para o sol — importante fonte de calor no clima polar.
Outros se queixam, entretanto, da perda de memória do lugar.
Quando o povoado começou a ser erguido, não havia transporte público.
Diante do clima rigoroso, tudo tinha que ficar a uma distância acessível a pé. Quando a ferrovia chamada Malmbanan foi concluída em março de 1888 em Malmberget e em outubro de 1899 chegou a Kiruna, a mineração de ferro de fato deslanchou. As primeiras cabanas dos mineiros foram construídas com material que estivesse disponível — era comum reaproveitar as tábuas das caixas que traziam a carne suína da América.
Essas cabanas ganharam o apelido de “pork boxes”.
Naquela época agora longínqua, mesmo o planejamento a longo prazo de então não ousou imaginar que a produção de minério de ferro pudesse se prolongar até os dias de hoje – e a mina subterrânea alcançar os limites físicos do perímetro urbano!
A natureza é belíssima na Lapônia, mas as condições são duras, temperatura de -20°C, o fenômeno das “luzes ao norte” ocorre à noite em certas épocas, 27 dias de noite polar, mas também o sol da meia noite no verão durante 47 dias, começando em maio!
Em Nord Cap, o ponto mais setentrional do continente europeu, o sol nesta época descreve uma trajetória descendente na medida que se aproxima a meia noite; quando se imagina que vai se esconder no horizonte, o sol começa a se levantar de novo.
A empresa deu aos habitantes três opções — receber um apartamento novo para morar, vender a casa atual a preço 25% acima do mercado e, se for tecnicamente viável, deslocar a casa atual sobre uma carreta para o novo sítio da cidade.
A opção de paralisar a mina de Kiruna nem sequer foi cogitada porque mataria a economia regional, além da sua sólida contribuição às receitas de exportação da Suécia. Equivale ainda a abandonar uma das minas mais eficientes do mundo, com elevado nível de automação e alta percentagem de funcionários mulheres, cuja produção de magnetita tem colocação garantida no mercado global! Nesta região estão 80% das reservas de ferro da Europa.
A premissa é entregar partes do núcleo urbano novo prontas e funcionando, com moradias, comércio, esportes e lazer, fazer a mudança dos moradores em seguida, antes de desativar as edificações antigas. O país mantém alto padrão de vida e consolidou uma cultura de segurança social em torno da população. Um exemplo singelo presenciado pelo jornalista: ao deparar com um cidadão adormecido no túnel de acesso ao metro de Estocolmo, à noite, ele procurou ajuda de um policial que o tranquilizou de imediato: já chamou um taxi que vai levá-lo para casa.
A história da mudança física de Kiruna é um exemplo inspirador, agora que a Agência Nacional de Mineração começa a cobrar os prazos para se desativar as barragens de rejeito construídas pelo método a montante.
Realocar as comunidades do entorno quando necessário e manter sua qualidade de vida e tradições — deve também entra no radar das empresas de mineração. É parte da sua licença social para operar.
