Considero muito importante a iniciativa de revista Minérios & Minerales em abrir espaço para apresentar papers abordando assuntos relacionados a barragens de rejeitos.
O conteúdo das publicações disponibilizadas permite identificar e analisar estratégias de gerenciamento de riscos em barragens de rejeitos com abordagens esclarecedoras relacionadas a soluções técnicas, custos e tomadas de decisão.
“Aprender com os erros deveria ser o melhor caminho para se alcançar o sucesso”. Parece que não é assim e, como profissional atuando como geólogo de exploração, faço uma leitura a partir dos recursos que tenho disponíveis (e de minhas limitações) no episódio de Brumadinho (MG).
Em Brumadinho uma observação de imagem de Satélite (Google Earth, por exemplo, disponível a qualquer indivíduo que tenha acesso a sinal de internet) mostra algumas situações que precisam ser examinadas do ponto de vista da geologia (geotecnia) e regras/políticas de meio ambiente (a quem se interessar o caminho é: Google Earth>Visualizar>Imagens Históricas). Os croquis a seguir foram produzidos a partir de imagem de satélite disponibilizadas pela ESRI (ARCGIS) datada de 2017.
• Fato 1: Há indicação de drenagens posicionadas à montante da barragem;
• Fato 2: Existem evidências de lavra de minério de ferro (open pit/cava com 1.500 metros de extensão por 850 metros de largura) em posição topográfica superior à Barragem do Feijão, cuja distância entre o centro dessa cava ao centro da barragem é de aproximadamente 2 km;
• Fato 3: Grande quantidade de construções de alvenaria localizadas à jusante da Barragem do Feijão ao longo do Córrego Feijão (a ferramenta zoom do Google Earth ajuda numa observação
mais nítida dessas construções). O que precisa ser esclarecido em Brumadinho:
• Qual é o destino da água pluvial canalizada pelas grotas à montante da Barragem do Feijão?
• O pit/cava próximo à barragem (em cota topográfica mais elevada) estava em operação?
• Existem avaliações geotécnicas orientadas para caracterizar e avaliar o efeito de vibrações associadas aos processos de detonação nas frentes de lavra do itabirito (minério de ferro/rocha dura) localizadas próximo às cristas acima da Barragem do Feijão?
• Como se comporta esse maciço em relação às suas características físicas (isotrópicas ou anisotrópicas) entre a Barragem do Feijão e as frentes de lavra existentes?
• Qual é o impacto dos processos de detonação (ondas sísmicas/ vibrações) nesse contexto?
• A arquitetura da Barragem do Feijão funcionava em conformidade com as técnicas projetadas para garantir sua estabilidade em relação ao volume de sedimentos particulados (rejeitos) numa coluna de aproximadamente 80 metros com área (contorno/ limites da barragem) de 260.000 m²?
• O tipo de material argiloso utilizado para compactação das paredes de contenção foi adequadamente testado segundo parâmetros geotécnicos?
A certeza (agora) é que alguma coisa não funcionou (dentro da lista das planilhas de protocolos para monitorar riscos) e o resultado é que, conforme se observa em vídeo exibido pela mídia, a natureza precisou de pouco mais de quinze segundos para colocar a parede de contenção da Barragem do Feijão abaixo, ao custo de mais de três centenas de vidas (entre corpos identificados
e pessoas desaparecidas).
O homem (ou a sociedade onde ele se estabelece) depende de recursos naturais para seu desenvolvimento e conforto e isso acontece em sua “jornada desde a lança de pedra lascada ao robô”. É impossível estabelecer critérios de preservação ambiental sem que se leve em consideração a necessidade da sociedade para recursos naturais.
A Lei 6.938 de 1981 que rege a Política Nacional do Meio Ambiente é um instrumento de controle que exige a elaboração de projetos ambientais capazes de garantir a resiliência ou capacidade de
regenerar áreas impactadas pela ação do homem.
No caso de degradação de áreas por qualquer ação antrópica (inclusive projetos de mineração) devem ser observados práticas ou medidas reparadoras e compensatórias.
Destacam-se alguns conceitos definidos nessa lei:
• Poluição: significa degradação da qualidade ambiental como resultado de ação antrópica;
• Poluidor: pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;
• Poluidor Pagador: imposição ao poluidor de obrigação de recuperar ou indenizar danos causados pela utilização de recursos naturais com fins econômicos. (isso inclui também os usuários, com pagamentos de contribuições aplicadas ao custo dos produtos utilizados).
Se o potencial poluidor é elevado, mais rigorosos serão os parâmetros de controle pelo órgão ambiental para aprovação das licenças ambientais, em qualquer estágio: Licença Previa, Licença de
Instalação e Licença de Operação. Licenciamento ambiental significa elencar lista de condicionantes com garantias para que o poluidor possa atuar respeitando os limites estabelecidos por lei (ou das autorizações).
No ambiente empresarial, a Norma Internacional de Especificação Ambiental – ISO 14.001/2015 – é iniciativa das empresas para demonstrar atenção com seu desempenho industrial em relação à
degradação ambiental. Essa norma complementa a Lei 6.938 criando seus próprios mecanismos de controle/checagem/monitoramento com regras mais rígidas em relação ao que a legislação define como mínimo obrigatório, visando transformar o impacto ambiental produzido em degradação/poluição ditas legais.
Como profissional na área de geociências, fico desapontado e triste com os desdobramentos e estatísticas de óbitos pela falha em algum mecanismo de controle dos riscos potencializados em unidades de lavra e beneficiamento de minérios.
Uma grande lição (repetida) nesse desastre é a de que a natureza não respeita protocolos…
Sendo assim, como empresas (que contribuem para o desenvolvimento econômico) e os órgãos fiscalizadores (que validam as ações das empresas) podem compatibilizar a necessidade da sociedade de utilização de recursos naturais com respeito às regras já estabelecidas (leis vigentes), de maneira a garantir a qualidade de vida das futuras gerações?
Transformações de modelos de gestão de barragens são essenciais que sejam realizadas ao longo do tempo e, assim, prevenir impactos econômicos maiores (além de perdas de vidas humanas).
O Código Florestal proíbe qualquer atividade do homem em terrenos com declividade superior a 450 (inclinação da encosta). Esse é um outro aspecto que precisa ser considerado em Brumadinho e em qualquer local com potencial de risco parecido (a exemplo dos episódios relacionados a deslizamentos de terra em morros na cidade do Rio de Janeiro).
O respeito à lei (Código Florestal, Código de Mineração e afins) evitaria muitas manchetes em noticiários na mídia em geral.
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