Por Vitor Mirim
Todo bem-estar social está diretamente relacionado ao consumo de commodities minerais como agregados minerais, metais, petróleo e fertilizantes. Da mesma forma, a principal alavanca para desenvolvimento social e econômico de qualquer país é a consolidação de sua infraestrutura básica, que se traduz por construção de moradias, hospitais, escolas, escritórios, veículos, vias de transporte, hidrelétricas, navios, aviões, foguetes, satélites etc. Nesse contexto, a utilização de agregados em projetos de engenharia civil é significativa para a fabricação de concreto, argamassas, pavimentos asfálticos, lastro de ferrovias, barragens de hidrelétricas, barragens de terra (e enrocamento), arrimos com blocos (ou gabiões), entre outras obras.
Agregado mineral é todo material granular encontrado na natureza (cascalho e areia) ou proveniente de fragmentação mecânica de rochas (rocha britada e areia artificial).
Obras de engenharia executadas no passado foram conduzidas dentro de critérios técnicos (normas) e tecnologias disponíveis à época de sua construção. Hoje não é diferente, mas a principal mudança reside na necessidade de se atender um novo paradigma rotulado de “construção sustentável”, o que, necessariamente, exige o conhecimento das características tecnológicas das rochas – para produção de agregados – condicionadas pelo seu conteúdo mineralógico, estrutura e textura. Essas informações são essenciais para avaliar se o agregado produzido está em conformidade com especificações que permitam estabelecer parâmetros relacionados à segurança, durabilidade e custos da obra civil onde será utilizado.
Rochas são materiais naturais constituintes da crosta terrestre e, independentemente do conteúdo mineral, podem ser agrupadas em 3 grandes categorias:
- Rochas ígneas: originadas a partir de magmas situados abaixo da crosta terrestre e solidificadas na superfície (extrusivas: basaltos e riólitos, por exemplo) ou abaixo da crosta terrestre (intrusivas: granitos e gabros, por exemplo);
- Rochas sedimentares: originadas a partir de rochas preexistentes por processos de degradação, desagregação, transporte (pelo vento, agua ou gelo) e acumulação (exemplos: arenitos, argilitos e tilitos). Algumas rochas sedimentares são geradas por processos químicos (margas, por exemplo);
- Rochas metamórficas: originadas a partir de rochas ígneas e/ou sedimentares preexistentes pela mudança dos regimes de pressão e temperatura associados a eventos orogênicos. A intensidade dos processos metamórficos condiciona o surgimento de novas estruturas e texturas, dependendo da intensidade do processo metamórfico. Exemplos dessas rochas (partindo de baixo grau metamórfico para alto grau) são: ardósias, xistos, calcários, mármores, quartzitos, gnaisses, granulitos e migmatitos.
O que diferencia uma rocha de outra é o seu conteúdo mineral (inclui-se a geometria e o arranjo dos cristais minerais entre si). Uma lista de minerais constituintes de rochas tradicionalmente explotadas para produção de agregados é curta e incluirá (i) minerais essenciais, (ii) minerais acessórios e (iii) minerais secundários, estes gerados por processos de alteração hidrotermal associados a zonas de cisalhamento (ou falhas), como resultados de eventos geológicos posteriores.
Minerais comuns constituintes de rochas utilizadas para produção de agregados:
- Quartzo: é a forma cristalina da sílica (SiO2). Normalmente se apresenta transparente e com grande resistência aos processos de intemperismo, sendo considerado o mais duro dos minerais essenciais presentes em rochas utilizadas para produção de agregados (dureza 7 na escala Mohs onde, nessa escala, o talco é definido com mineral de dureza 1 (menor dureza) e o diamante, dureza 10 (maior dureza). Para agregados, a presença de opala e calcedônia (variedades de sílica amorfa e microcristalina, respectivamente), é prejudicial porque reagem com os álcalis do cimento Portland. O mesmo acontece com agregados produzidos a partir de rochas afetadas por cisalhamentos, onde é comum a presença de cristais de quartzo deformados;
- Feldspatos: são os minerais de maior abundância como constituintes de rochas ígneas e metamórficas. São silicatos de alumínio contendo metal alcalino ou alcalino terroso na sua estrutura cristalina. Quando o metal alcalino é potássio (K), os feldspatos pode ser o ortoclásio (cristais de cor avermelhada ou vermelho sangue) ou o microclínio (cor verde). Ortoclásio e microclínio são minerais típicos de sistemas alcalinos onde a presença de quartzo é mínima ou ausente. Quando o metal é sódio (Na) forma-se a albita ou, por outro lado, se é cálcio (Ca) forma-se a anortita. Albita e anortita caracterizam os extremos de uma “série isomórfica” de feldspatos com diferentes proporções de Na e Ca em equilíbrio com outros metais em suas estruturas cristalinas. Rochas com conteúdo expressivo de plagioclásios são tonalitos, dioritos, gabros, basaltos, entre outras (nessas rochas a presença de feldspatos potássicos é mínima ou ausente). A dureza dos feldspatos fica em torno de 6 na escala Mohs;
- Micas: são silicatos de alumínio hidratados, com algum metal. Se o metal é ferro (Fe) a mica é a biotita (lamelas pretas) e se é potássio (K) a mica é a muscovita (lamelas brancas) ou sericita no caso das lamelas se apresentarem muito finas. A escala de dureza das micas fica entre 5 e 6 na escala Mohs. A biotita é mineral que se degrada com facilidade em contato com águas superficiais (hidrólise, gerando óxidos e hidróxidos) ou se submetida a condições mais elevadas de temperatura (pela perda da sua água de cristalização);
- Piroxênios: são silicatos contendo ferro (Fe), magnésio (Mg) e cálcio (Ca) e, como os feldspatos, foram séries isomórficas. Augita é um dos piroxênios mais comuns. Sob condições de clima tropical degradam-se com muita facilidade.
- Anfibólios: são silicatos parecidos com os piroxênios. Hornblenda é o mais comum dos piroxênios presentes em rochas;
- Calcita: mineral carbonático de composição CaCO3, facilmente atacado por águas ácidas e com dureza 3 na escala de Mohs. Dolomita é outro mineral carbonático de composição CaMg(CO3)2;
- Argilominerais: são silicatos hidratados de alumínio, placóides ou lamelares, muito finos. São formados a partir de minerais pré-existentes por processos de alteração hidrotermal ou por ação de processos de intemperismo e podem ser subdivididos em 4 grupos: (i) esmectitas (expansíveis por absorção de água), (ii) cloritas, (iii) caulinita e (iv) ilita, sendo que a presença de esmectitas em rochas aceleram a sua degradação em função de suas propriedades expansivas quando absorvem agua. Devem ser evitados nos agregados para a fabricação de cimento Portland.
Rochas comuns utilizadas para produção de agregados:
- Granitos: rochas ígneas constituídas por feldspatos potássicos, plagioclásios, quartzo e micas (biotita e muscovita) podendo conter anfibólio como mineral acessório. Apresentam-se com estrutura compacta, boa resistência mecânica e granulação geralmente grosseira a média;
- Basaltos: rochas máficas, extrusivas, constituídas essencialmente por plagioclásios e piroxênios podendo conter, como minerais acessórios, quartzo, anfibólio e olivina. Geralmente são caracterizados por empilhamentos de derrames ou flows que podem ter características distintas entre si ora compactos, ora amigdaloides/vesiculares o que pode refletir em padrões de fraturamento/diaclasamento distintos. São rochas de granulação fina a muito fina/vítrea com resistência mecânica elevada. A presença de amigdalas e/ou vesículas tornam o basalto impróprio para uso como agregado e, também, a ocorrência de sílica amorfa (vidro vulcânico) é prejudicial no agregado de basalto porque potencializa o desenvolvimento de reações com álcalis do cimento Portland. No caso de se apresentar com argilominerais expansivos (esmectitas) tende a se degradar com maior facilidade, o que é um grande problema no caso desse agregado ser utilizado em lastros de ferrovias ou enrocamentos;
- Gnaisses: rochas metamórficas com estrutura bandada de composição mineralógica semelhante à rocha original. Ortognaisses são originados a partir de rochas ígneas e paragnaisses a partir de rochas sedimentares. A resistência mecânica de gnaisses varia em função da direção de aplicação dos esforços em relação à sua estrutura (bandamento);
- Arenitos: rochas sedimentares geralmente constituídas essencialmente por grãos de quartzo, com algum conteúdo de argila e cimentados ora por óxidos de ferro, ora sílica amorfa ora carbonados. A resistência mecânica depende do tipo de cimento onde os silicosos são mais resistentes. São rochas com alta porosidade;
- Quartzitos: rochas metamórficas constituídas quase que exclusivamente por quartzo, podendo conter micas (sericitas) e feldspatos como minerais acessórios. Apresentam-se com dureza elevada, são porosas e sua resistência mecânica é condicionada à direção dos esforços em relação aos planos de estratificação ou laminação existentes. Podem produzir agregados finos (areias) para atender demandas específicas (argamassas na construção civil, por exemplo);
- Calcários: rochas de origem metamórfica constituídas predominantemente por calcita ou dolomita. Calcários metamórficos se apresentam com resistência mecânica e dureza relativamente elevadas e são bastante utilizados na fabricação de concreto hidráulico, mas, por outro lado, não são recomendados para utilização em pavimentos asfálticos em razão de sua baixa tenacidade e resistência à abrasão.
A caracterização da qualidade de rochas para atender demandas de agregado é realizado através de análises ou determinações por ensaios de laboratório, que buscam reproduzir as condições às quais esses agregados estarão submetidos como componente de uma obra/construção civil. Assim sendo, os estudos para avaliar se uma rocha atende às especificações (normas) para produção de agregados considera dois parâmetros importantes: (i) tipo de aplicação do agregado na obra (concretos, argamassas, lastros de estrada de ferro, pisos asfálticos, enrocamentos) e (ii) o comportamento desses agregados como componentes da obra civil em relação às solicitações dos esforços aos quais estarão submetidos.
Por exemplo, agregados utilizados na produção de concretos hidráulicos (construção de edificações, pontes, viadutos e barragens hidrelétricas) devem apresentar respostas adequadas em relação a ensaios tecnológicos para testar /identificar propriedades essenciais para sua utilização como concreto hidráulico: (i) análises petrográficas (estudo de paragênese mineral), (ii) índices físicos (densidade aparente, porosidade, e absorção de água), (iii) dilatação térmica, (iv) análise granulométrica, (v) forma das partículas do agregado, (vi) potencial de reatividade (reação álcali-sílica, álcali-silicato, álcali- carbonato e reação sulfatos-alumínio), (vii) alterabilidade (intemperismo), (viii) resistência ao impacto, flexão, compressão e esmagamento, (ix) modulo de deformabilidade (o fragmento retorna à forma quando cessa a carga ao qual está submetido) e (x) velocidade de propagação de ondas P, de compressão (deslocam paralelamente ao sentido de propagação da onda) e ondas S, de cisalhamento (deslocam-se ortogonalmente à direção de propagação da onda) associadas eventos sísmicos naturais ou artificiais.
A decisão sobre tipos de equipamentos a serem implementados em etapas de cominuição da rocha (britadores e moinhos) para produção de agregados em suas diversas bitolas, depende das características do maciço rochoso a ser explotado, considerando (i) seu conteúdo mineral (paragênese), (ii) sua textura (dimensão e arranjo entre os grãos minerais) e (iii) estruturas (compacta/maciça, bandada/gnáissica ou laminada/xistosa). Rochas anisotrópicas (gnaisses, xistos) tendem a produzir fragmentos com tipos de forma lamelar, alongada ou lamelar-alongada, por outro lado, rochas isotrópicas (granitos ou basaltos maciços) produzem fragmentos com formato próximos a cubos.
Então, pode-se afirmar que a caracterização da qualidade do agregado depende do tipo de uso ao qual será destinado como componente numa obra da construção civil e, sendo assim, quem compra precisa conhecer o tipo adequado de agregado considerando todas as solicitações de natureza química (degradação de minerais), física (expansão, contração) e físico-químicas (esforços devido a agentes mecânicos) a que serão submetidos e, do outro lado. Quem vende deve garantir suprimentos de agregados (contratados) dentro das especificações solicitadas pelo cliente. Esse é um dos fatores que garante obras seguras, duráveis e de manutenção fácil/eficaz.
Nunca é tarde para mencionar que toda obra na construção civil deve – sempre que tecnicamente possível – otimizar oportunidades para produzir agregados reciclando materiais de fontes secundárias.
Finalizando, episódios recentes envolvendo acidentes/desastres com barragens (de terra e rejeitos de mineração) traz alerta importante: não há espaço para o “redescobrimento do óbvio”.
Goiânia, 20 de junho de 2020
Geólogo Vitor Mirim
Referência: Frazão, Ely Borges, 2002: Tecnologia de Rochas para a Construção Civil – Associação Brasileira de Engenharia e Ambiental.
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