O Brasil, na atualidade, o que se discute é se, diante da crise mundial e seus impactos sobre a balança comercial, bem como da volta do déficit em transações correntes no balanço de pagamentos brasileiro, estamos diante da volta da histórica “vulnerabilidade externa”.

Nos últimos anos, em função de uma conjuntura internacional muito favorável, que permitiu ganhos nos termos de troca do país com o exterior, em função do aumento nos preços das exportações em dólares, desfrutamos de uma situação considerada extremamente confortável. O saldo comercial em 2007 foi superior a US$ 40 bilhões, mais do que compensando o resultado deficitário da conta de serviços, e o saldo na conta de capitais alcançou nada menos que US$ 89 bilhões – com a forte entrada de investimentos diretos (US$ 34,6 bilhões) e de investimentos am ativos financeiros (US$ 48 bilhões).

Tais fatos permitiram que o país acumulasse um volume de reservas internacionais inédito em sua história: US$ 180 bilhões, o equivalente a 13,7% do PIB. Esta ambiente gerou uma forte valorização do real frente ao dólar. Somente ao longo do ano de 2007, a cotação da moeda americana registrou queda de cerca de 17%, isso após ter caído 26,5% nos três anos anteriores.

No segundo semestre de 2007, entretanto, as contas externas já começaram a apresentar claros sinais de mudança de tendência e os superávits comerciais começaram a registrar quedas expressivas a cada mês, quando comparados como o mesmo mês de 2006. O déficit da conta de serviços, por sua vez, continuava se elevando, fazendo com que o país voltasse a registrar saldos deficitários nas transações correntes. Já a conta de capital ainda foi superavitária permitindo a acumulação de reservas. A percepção dominante era a de que a redução do superávit comercial era um processo natural e inevitável, especialmente diante do crescimento das importações oriundas de um processo de recuperação intensa do crescimento da renda doméstica.

No primeiro semestre de 2008, o saldo comercial registrou uma queda de mais de 40%, em relação ao mesmo período do ano anterior e o saldo em transações correntes tornou-se deficitário em US$ 17,4 (2% do PIB). Tal fato coincidiu com uma deterioração das condições de liquidez internacional, por conta da crise do sistema de financiamento habitacional nos Estados Unidos e de suas repercussões internacionais, diante da real perspectiva de recessão nos países desenvolvidos. Fecharemos 2008, com saldo comercial de apenas US$ 24 bilhões e um déficit em transações correntes, em torno de US$ 30 bilhões.

Por outro lado, nos últimos meses tivemos uma “maxidesvalorização” do real com relação ao dólar de mais 50%. Este quadro dificulta o calculo econômico do empresariado – item fundamental para a tomada de decisão de novos investimentos. Além do mais, a pressão sobre o cambio atinge os índices de preços (IPA e IGP). Para 2009, em função da crise econômica mundial o superávit comercial esperado é de apenas US$ 14 bilhões e o saldo da conta corrente do balanço de pagamento será negativo, em torno de US$ 30 bilhões, de acordo com edição mais recente do Boletim Focus do Banco Central.

As estatísticas industriais já revelam forte desaceleração da atividade econômica em outubro de 2008. Diante do aumento da incerteza quanto ao futuro, diversos projetos estão sendo engavetados, por outro lado é crescente o volume de demissões e férias coletivas em importantes empresas brasileiras.

Diante deste novo quadro, a questão da sustentabilidade das contas externas brasileiras voltou ao foco de debates, acirrando a preocupação com o eventual retorno da vulnerabilidade externa e dos riscos que ela traz para o equilíbrio macroeconômico doméstico, bem como para a sustentação do crescimento econômico do país. Vale destacar que a composição da pauta exportadora brasileira apresentou poucas transformações relevantes nos últimos dez anos. A rigor, identificam-se claramente apenas duas mudanças de grande importância: em primeiro lugar o aumento de participação dos produtos de origem mineral, especialmente os minérios e o petróleo e seus derivados; e em segundo lugar, a queda da participação dos produtos industriais intensivos em trabalho e de alguns intensivos em economias de escala, como celulose e papel e produtos químicos.

Outro ponto não desprezível é o da evolução pouco favorável da participação dos bens intensivos em tecnologia na nossa pauta de exportações. A demanda mundial de produtos e serviços de alta tecnologia cresce 15% ao ano, enquanto a de matérias primas e de produtos com baixo grau de transformação cresce apenas 1/3 deste percentual. Esses novos dados mostram que o Brasil não está livre de problemas no futuro. Portanto fica evidente que não se deve perder de vista os fatores estruturais que comandam a evolução das contas externas.

Por trás do crescimento acelerado das importações está a expansão da produção industrial e a forte demanda de por bens de capital, por conta da aceleração dos investimentos. No caso da balança de serviços destaca-se o crescimento da participação da remessa de lucros e dividendos referentes aos investimentos diretos, em detrimento do pagamento dos juros.

Tudo parece indicar que os últimos anos foram uma fase extraordinária, em termos de desempenho das contas externas, mas que não se sustentará. É inevitável que o déficit em transações correntes cresça de forma contínua daqui por diante, sinalizando uma deterioração gradual dos indicadores de vulnerabilidade externa, mesmo em um contexto de desaceleração do crescimento do país como já se vislumbra, e eleve o déficit em transações correntes para um patamar talvez de 4% ou até 5% no PIB. No curto prazo, em função do elevado nível de reservas (US$ 200 bilhões), a situação ainda se mostra confortável. Mas no médio e no longo prazos, o cenário ainda é preocupante devido a ausência de mudanças estruturais, que indiquem uma evolução futura mais equilibrada das contas externas brasileiras.