Segundo dados publicados pela S&P Global Market Intelligence, o ano de 2020 mostra os impactos produzidos pela pandemia Covid-19 na produção industrial global e, nesse contexto, os preços de commodities minerais registraram altas significativas por efeito de lockdown em minas, impactando metas de produção. Nesse cenário, particularmente para o ouro (Au), a cotação de US$ 1.520,55/oz no início de janeiro saltou para US$ 1.950,85/oz em meados de setembro (tendo alcançado preço recorde de US$ 2.067,15/oz no início de agosto) em razão dos efeitos da pandemia, da elevada instabilidade geopolítica, do dólar fraco e do êxodo de capital aplicado em bolsas redirecionados para o ouro em barra (bullion). Nesse período, a valorização do Au foi de 28%, como uma opção de porto seguro para investidores.

Considerando-se uma projeção de custo de produção de Au em patamar de U$ 970.00/oz (valor médio entre as 15 maiores empresas produtoras em 2020, segundo S&P Global Market Intelligence), temos uma boa razão para entender a corrida global por minério de Au que se observa com (i) aumento de produção nas empresas em operação, (ii) retomada de projetos antigos, adormecidos, com qualidade de reservas/teores que só podem ser explotados nesse cenário de preços e (iii) agressiva atividade de lavras garimpeiras.

Aumentar a produção de Au a partir das reservas conhecidas significa encurtar a vida útil das minas em operação e a sobrevivência desses empreendimentos depende dos resultados das estratégias de exploração implementadas pelas empresas produtoras. Se olharmos para os últimos 10 ou 15 anos, vamos perceber que não há registro de descobertas significativas de novas reservas de Au e isso se deve ao fato de que as empresas (majors e juniors) concentrarem seus esforços de exploração na expansão/desenvolvimento dos seus depósitos (reservas e recursos) já conhecidos. Assim sendo, contemplar/provisionar orçamentos focados em exploração mineral é fundamental para se descobrir novas reservas minerais com qualidade, dentro de especificações que permitam substituir/repor aquelas que estão sendo explotadas.

Depósitos de Au ocorrem numa grande variedade de ambientes geológicos e, para cada um existem características geológico-estruturais e geoquímicas distintos. Alguns exemplos são: (i) depósitos em conglomerados tipo Witwatersrand (África do Sul), que por volta de 1990 era responsável por mais de 50% da produção mundial de Au; exemplo no Brasil é Jacobina (BA);

(ii) Depósitos associados a formações ferríferas a exemplo de Homestake (USA) e a mina Morro Velho (Quadrilátero Ferrífero, MG) – ambos (i) e (ii) depósitos estritamente auríferos;

Há uma ampla variedade de depósitos minerais onde o Au ocorre como subproduto: (i) mineralizações polimetálicas em sistemas vulcanogênicos exalativos (VMS), a exemplo do que ocorre em Noranda, Kidd Creek e Flin-Flon (Canada) e Aripuanã (MT);

(ii) mineralizações de níquel magmático associado a complexos máfico-ultramáficos, a exemplo de Voisey’s Bay (Canadá) ou Fazenda Mirabela (Itagibá/BA), incluindo-se flows ultramáficos (komatiiticos) a exemplo de Kambalda (Austrália) ou Fortaleza de Minas (MG);

(iii) mineralizações do tipo Cu-Au pórfiro, skarn e epitermais associados a sistemas hidrotermais em complexos vulcânicos-plutônicos, frequentes em países do Cinturão Circum-Pacífico como El Indio (Chile), sendo que no Brasil, já são conhecidos depósitos de Au com características semelhantes, por exemplo em Carajás ou Tapajós.

Equipes de exploração com competências desenvolvidas para identificar sinais/evidências de características para os tipos particulares de depósitos minerais terão boas chances de entregar resultados com sucesso,  se essas competências forem desenvolvidas com treinamento e visitas a minas em operação.

Treinamento e visitas a minas ainda é o melhor caminho para profissionais que atuem em programas de exploração aprenderem a “conversar com pedras” e, a partir dessas “conversas”, desenvolver a capacidade de construir seus próprios modelos prospectivos – a partir de suas observações de campo – que tenham similaridade com o contexto geológico do depósito (mina) conhecido (visitada). A chefia ficará feliz e as recompensas baterão à porta de todos os integrantes dos times envolvidos no programa de exploração.

Em relação à Província Mineral do Tapajós (assunto frequente em manchetes policiais, ultimamente) existem terrenos geológicos prospectivos (atraentes para investimentos em exploração) com chance de hospedar depósitos classe mundial de Au (depósitos estritamente auríferos ou depósitos em que o Au ocorre como subproduto associado a mineralizações de metais-básicos). A intensa atividade garimpeira para Au, mostrado no mapa da Figura 1, corrobora essa expectativa do ponto de vista de exploração.

O mapa da Figura 1 foi elaborado a partir de dados (i) disponibilizados no site da ANM (Agência Nacional de Mineração) considerando Terras Indígenas, Unidades de Conservação Integral e Sustentável, áreas militares e Reserva Garimpeira do Médio Tapajós, integrados com (ii) informações extraídas de imagens de satélite (ESRI/ARCGIS & Google Earth) com foco em manifestações de atividade garimpeira.

O resultado desse processamento (shapefiles & raster) colocam em evidência fatos relevantes:

1.            O polígono que envolve as áreas de atividade garimpeira (linha preta tracejada na Figura 1), identificadas em imagens de satélite (ver Foto 1) apresenta-se com área de 4,49 milhões de hectares (ha) cobrindo terrenos geológicos prospectivos, caracterizados por intenso magmatismo plutônico-vulcânico de idade paleoproterozoica, com manifestações de sistemas magmáticos-hidrotermais do tipo epitermal e pórfiro (pelo menos), nos municípios de Itaituba (PA) e Jacareacanga (PA).

2.            Dentro do polígono que envolve as áreas garimpadas levantadas a partir de imagens de satélite, existem pelo menos 253 pistas de pouso para atender movimento de aeronaves de pequeno porte (pontos vermelhos na Figura 1 e destaque na Foto 1).

3.            As frentes de lavra garimpeira delimitadas em imagens de satélite (polígonos pretos no mapa da Figura 1 e linhas amarelas na Foto 1), totalizam 49.475,3 ha dos quais 43.029,8 ha (93%) estão posicionadas internamente aos limites de áreas protegidas conforme discriminado na Tabela 1.

A Terra Indígena Munduruku (linha vermelha na Figura 1) tem área de 2,34 milhões de ha onde se identifica áreas impactadas por atividade de garimpo totalizando 1.731,7 ha (3,5 % de 49.475,3 ha) que, por sua vez, estão situadas nas cabeceiras do Rio das Tropas. A Foto 2 destaca o aspecto da descarga de sedimentos clásticos argilosos, finos carregados em suspensão pelas águas do Rio das Tropas na sua chegada ao Rio Tapajós.

4.            Dentro dos limites das Unidades de Conservação Integral (inclui Parque Nacional e Estadual além de Estação Ecológica) identifica-se um total de 3.116,94 ha (6,3 % de 49.475,3 ha) de áreas impactadas por atividade garimpeira.

5.            Áreas impactadas por atividade de garimpo nas Unidades de Conservação Sustentável (Florestas Nacionais e Estaduais, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Estação Ecológica) totalizam 40.892,35 ha (82,6% de 49.475,3 ha).

6.            Em relação às atividades de garimpo na área estudada, destaca-se a Reserva Garimpeira do Médio Tapajós (linha amarela na Figura 1) com área de 2,84 milhões de ha, que se apresenta quase que integralmente dentro de unidades de conservação. Cabe ressaltar o fato de que das 253 pistas de pouso cadastradas, 154 estão alocadas dentro dessa Reserva Garimpeira.

Examinando-se dados de dados de Cadastro Mineiro (ANM, visita em 19 de outubro 2020) para examinar o que acontece em termos de  tramitação de processos minerários ativos na envoltória que inclui as áreas garimpadas, constata-se que já existem mina de ouro em produção e depósitos em fase avançada em termos de exploração cuja  titularidade são das seguintes empresas: Serabi Mineração (Mina Palito e Depósito São Jorge), Brazauro Recursos Minerais (Eldorado Gold, Depósito Tocantinzinho), Magellan Minerais Prospecção Geológica (Cabral Gold, Depósitos Cuiú-Cuiú/Creporizão e União/Bom Jardim).

Por outro lado, considerando-se a janela definida pelo limite externo do mapa da Figura 1 (linha lilás/vinho), percebe-se que existem 901 processos ativos tramitando na fase de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG), distribuídos entre pessoas físicas e associações de garimpeiros (como titulares dos direitos minerários).

Usando esse mesmo critério, há  números impressionantes relacionados a processos que tramitam na fase de Requerimento de Permissão de Lavra Garimpeira (Req PLG),  com um total de 10.613 Req PLG onde os  titulares dos Req PLG são 35 cooperativas e associações de garimpeiros,  juntamente com lista extensa de pessoas físicas onde é relevante destacar que: (i) 1 (um) titular/pessoa física aplicou 725 Req PLG e (ii) outros 4 (quatro) titulares/pessoas físicas aplicaram individualmente mais de 200 Req PLG.

Enfim, Tapajós é um bom exemplo onde  existem ambientes geológicos atrativos pouco explorados. Áreas protegidas existem com regras bem definidas e a ANM só publica a outorga de uma Concessão de Lavra ou Permissão de Lavra Garimpeira se o órgão ambiental aprovar os respectivos Relatórios de Impacto Ambiental.

O que falta é aplicar a regras já existentes para resgatar a  segurança jurídica capaz de atrair dólar de exploração cujos resultados possam levar a uma descoberta de depósito mineral economicamente lavrável. Esse é o único caminho para se agregar mais receitas a municípios, estados e federação via novos recursos relacionados a CFEM.

*Vitor Mirim é geólogo de exploração da VRM Geologia e Mineração