No dia 5 de novembro de 2015 ocorreu o rompimento de uma barragem de rejeitos de minério de ferro em Bento Rodrigues-Mariana (MG), a Barragem do Fundão, deixando lastro de destruição com 19 óbitos e, quase 4 anos depois, no dia 25 de janeiro de 2019 outra avalanche de rejeitos de minério de ferro deixou lastro de destruição ainda maior – em consequência do colapso da barragem de rejeitos de minério de ferro de Córrego do Feijão – em Brumadinho (MG), com estatísticas contabilizando mais de 250 óbitos.

Esses dois episódios catastróficos trouxeram muita luz para temas relacionados a sustentabilidade em projetos de mineração, porque mostraram a dimensão dos danos provocados pela descarga de detritos como consequência do colapso de sistemas de armazenamento dos resíduos gerados em processos de beneficiamento de minérios.

Identificar e entender as causas dessas tragédias é fundamental para gerar dados confiáveis (auditados por equipe multidisciplinar, experiente) que, integrados e processados, possam produzir informações que permitam extrair insights de boas práticas (standard de alcance global), visando ao gerenciamento de riscos em sistemas de armazenamento de resíduos de mineração, com o objetivo de assegurar a chamada licença social.

No Brasil, depois dos episódios de Bento Rodrigues e Brumadinho, as consequências imediatas implementadas pelos órgãos reguladores foram (i) a revisão das normas de segurança de barragens, (ii) inventário de todas as barragens existentes no território nacional, (iii) exigência – por decreto – da Declaração de Condições de Estabilidade de Barragem e Relatório de Auditoria Técnica de Segurança de Barragem das empresas, (iv) banimento da utilização de barragens com alteamento à montante no Brasil e (v) estabelecimento de prazos para se descomissionar  todas as barragens de rejeito com alteamento à montante em operação.

Todas essas decisões (inerentes à Política Nacional de Segurança de Barragens) buscam dar transparência à atividade de mineração (em particular) no sentido de informar que a indústria mineral é capaz de operar dentro de condições impostas por regulamentação (existente ou revisada), de maneira a atender a todos os atores envolvidos na cadeia produtiva do setor mineral: comunidades locais, empresas mineradoras, autarquias (meio ambiente, Agencia Nacional de Águas, Agencia Nacional de Mineração) e stakeholders.

Atividades de mineração, qualquer uma, geram resíduos que precisam ser devidamente administrados em relação à sua disposição em sistemas de armazenamento construídos, dentro de especificações técnicas condicionadas às características geológicas e geotécnicas do minério explotado.

Destaca-se dois tipos de resíduos gerados pela atividade de mineração:

  • Materiais estéreis gerados no desenvolvimento das operações de lavra, dispostos em pilhas de estéril na superfície ou utilizados como filling em galerias desenvolvidas na lavra de oreshoots de minas subterrâneas.

Quando as mineralizações explotadas estão associadas a sulfetos – ou associações de sulfetos – as pilhas de estéreis produzem soluções ácidas em decorrência da oxidação dos minerais de sulfeto em contato com águas superficiais (esse fenômeno acontece, também, dentro das minas e é conhecido como drenagem ácida).

  • Rejeitos de mineração produzidos nas fases de beneficiamento de minérios que utilizam água nas etapas de britagem, moagem, classificação, flotação com o objetivo de separar o(s) mineral(ais) da ganga (materiais sem valor econômico) e, eventualmente, eletrólise. Esses rejeitos (polpas) se apresentam com características físico-químicas distintas e, da mesma forma, se a mineralização está associada a sulfetos (por exemplo, ouro, zinco, cobre etc…) a água contida nos rejeitos é carregada em solução com metais de com alto potencial poluidor (cianetos, arsênio, por exemplo).

No caso de minério de ferro, o processamento é basicamente caracterizado por fases de cominuição e classificação para liberar o mineral de minério (normalmente a hematita, eventualmente associada à magnetita) e flotação, visando a produção de concentrados de melhor qualidade (teor de ferro mais elevado) para produção de sínter feed ou pellets feed (dependendo da granulometria do mineral de minério). Neste caso, o desafio é gerenciar a quantidade de água utilizada nesses processos e o volume de rejeitos produzidos.

A decisão de escolha de locais para a construção de estruturas visando a disposição desses resíduos depende (i) do arcabouço geológico-estrutural em escala regional e local, (ii) das características físico-químicas do minério (paragênese e granulometria do mineral de minério), (iii) das características do relevo/superfície topográfica, (iv) das condições hidrológicas (drenagens), (v) frequência de ocorrências de sismos naturais e (vi) da proximidade de comunidades locais (áreas urbanas ou sedes de fazendas).

Todos esses parâmetros (entre outros, inclusive econômicos) são analisados para planejamento, definição e implementação do tipo de sistema de contenção mais adequado, considerando os riscos socioambientais sinalizados (potencializados).

Barragens de rejeitos de mineração geralmente são implementadas próximo às plantas de beneficiamento, em drenagens previamente escolhidas (vales) onde os rejeitos são dispostos nas barragens construídas de forma controlada.

Essas estruturas são construídas levantando-se inicialmente um dique de partida construído com materiais de empréstimo (solos e/ou regolitos, com controle de permeabilidade) com capacidade para receber rejeitos produzidos nos primeiros anos e, na medida em que o projeto se desenvolve com o passar do tempo, é necessário realizar o alteamento dessa estrutura.

Os principais parâmetros para definir o método de alteamento de barragem de rejeitos sejam por alteamento à montante, alteamento à jusante ou linha de centro são (i) volume de rejeitos a serem armazenados e (ii) características físico-químicas das polpas de rejeitos produzidos (iii) condições de topografia na área do projeto.

A Figura 1 corresponde a um esquema de barragem de rejeito (adaptado de Vick, 1981) construído pelo método à montante (a exemplo de Bento Pereira e Brumadinho).

Destaca-se que a ordem de sedimentação na praia de rejeitos, a partir da linha da crista do dique de contenção, é condicionada pela granulometria dos materiais lançados na barragem: (i) areias, (ii) argilas e (iii) água livre de rejeito. Isso acontece porque a distribuição granulométrica dos rejeitos/polpas é ampla, então, o material arenoso (mais grosseiro) é depositado mais rapidamente e se acumulam próximo à linha de crista do dique; materiais mais finos, argilosos, permanecem em suspensão e são depositados como lamas em setores mais distantes em relação à linha de crista do dique e, por último, surgem as manchas de água livre de rejeito que são recicladas e reutilizadas no processo industrial. O lançamento da polpa na bacia de contenção é realizado (recomendável) com sequência de tubulações menores (“spigots”) conectados a uma tubulação maior que corre paralelamente a linha de crista do dique de contenção, com o objetivo de gerar praia de rejeito homogênea

As vantagens do método de alteamento de barragem à montante: (i) menor custo em relação aos outros métodos (volume de material menor para erguer os diques de contenção (D1, D2, D3 & D4, na Figura 1), (ii) facilidade de operação e (iii) construção em áreas com topografia acidentada.

As desvantagens: (i) susceptibilidade à liquefação em decorrência de sismos naturais ou vibrações relacionadas ao movimento de equipamentos e/ou detonações em frentes de lavra (próximos) e (ii) ocorrência do fenômeno de “piping” (tipo de erosão pelo fluxo de água (gradiente hidráulico) que pode surgir na interface (ou zona de contato) entre dois diques de alteamento em razão de compactação (e impermeabilização) ineficientes (ponto vermelho na Figura 1).

A construção e operação (preenchimento) de qualquer tipo de barragem de rejeitos deve considerar as deformações internas e externas em razão das variações do estado de tensão totais e seus efeitos no decorrer do tempo. Essas tensões são influenciadas (i) pela geometria do vale onde a barragem foi construída, (ii) pelas acomodações (movimentos) em suas fundações e (iii) pelas características da distribuição dos rejeitos (areia/lama/água) nas praias de deposição durante o enchimento do reservatório.

O gerenciamento de riscos em barragens de rejeitos de minérios se traduz por monitorar evidências que possam estar associadas às deformações dentro da estrutura de contenção, que surgem como respostas (acomodações) aos esforços relacionados à carga de sedimentos que aumenta progressivamente com o tempo.

São sinais que podem ser identificados a partir de soluções geotécnicas (equipamentos) que permitem registrar informações relacionados às deformações que ocorrem – interna e externamente – na estrutura de contenção de rejeitos como: (i) deslocamentos verticais (mudança de volume) associados à compactação (recalque) da coluna de rejeitos acumulados na barragem e (ii) deslocamentos horizontais relacionados ao surgimento de tensões cisalhantes, particularmente se o pacote de sedimento localmente se apresenta com níveis (horizontes ou lentes) e alto conteúdo de argilas.

Realizar rotineiramente observações externas para rastrear o aparecimento de trincas ou vazamentos é importante, porém, monitorar a estabilidade interna da barragem permite identificar sinais que podem indicar anormalidades, o que possibilita ganho de mais tempo para mitigação de falhas potenciais.

Olhando para o futuro (próximo), alguns temas dentro da cadeia produtiva do setor mineral já estão sendo tratados com mais atenção, por exemplo: (i) tratamento de águas poluídas (reciclagem), (ii) gerenciamento de contaminantes, (iii) controle de fluxo de águas fluviais (superfície) e subsolo e (iv) aperfeiçoamento de regulamentações a nível federal, estadual e municipal para disposição de resíduos de mineração.

Há demanda crescente para empresas que desenvolvem ferramentas e sistemas para gerenciamento de riscos de barragens (piezômetros, gps, estação total, extensômetros, radar, scanner etc.).

Amplia-se o espaço para empresas METS (Mineral, Engineering, Techology & Services) que desenvolvem equipamentos e sistemas para processamento de minérios que disponham de  soluções inovadoras para maximizar uso de água nas etapas de beneficiamento (reciclagem e reuso), produzindo “rejeitos secos”, além de atender demandas para reprocessamento de rejeitos de barragens, visando a recuperar metais de valor econômico com tecnologias novas e resultados mais eficazes.

Há ainda muito trabalho a ser feito por profissionais nas áreas de geotecnia, engenharia e processamento mineral (entre outras).