A operação da mina de Águas Claras teve início em 1973. A mineração desta cava foi encerrada em novembro de 2002, totalizando cerca de 290 milhões de toneladas de minério de ferro extraídos. Devido a uma grande ruptura em 1992, um talude de cerca de 300 m de altura remanescente da ruptura ficou exposto, sem risco de instabilidade global. Entretanto, houve rupturas superficiais e processos erosivos que colocaram em risco a crista da Serra do Curral (patrimônio histórico e cultural de Belo Horizonte).
Em função disto, em 2003 a Vale iniciou o estudo de soluções para estabilização do talude. Estes estudos se alongaram até 2008 quando a primeira versão do projeto executivo de estabilização do talude foi finalizada. Em 2013, foi realizada a contratação da obra, que iniciou em 2014 com conclusão em 2016.
Caracterização da área estudada
A última atualização geológica da superfície da cava foi realizada em 2014. De acordo com esse mapeamento, o talude da cava é composto unicamente por itabirito friável e médio. Entretanto, cabe ressaltar que para esse mapeamento não foram permitidos acessos ao talude, visto as suas condições de segurança. Após inúmeras inspeções na área, é possível afirmar que além do material descrito há itabirito compacto, lentes de hematita compacta e canga.
Desafios do projeto
O talude em questão apresenta uma série de aspectos interessantes do ponto de vista geotécnico, conforme pode ser verificado no item anterior. Pode-se separar o talude em três trechos distintos onde o mecanismo de ruptura envolvido no processo é diferente. Na Fase 1 as condicionantes geomecânicas se sobrepõe às demais e comanda o processo. Na Fase 2 os depósitos existentes e grandes blocos (i.e. até 150 m³) provenientes dos processos de ruptura de montante consistem na massa instável predominante; e na Fase 3 a estabilidade do material friável in situ.
Tudo isto ocorre em um talude com mais de 300 m de altura e com inclinações entre 35 e 70 graus. No pé do talude, um lago já oculta parte da cava antiga e restringe o acesso. Na crista encontra-se o limite da Serra Curral, por onde se acessa apenas por uma trilha em meio à vegetação. O acesso à face do talude somente pode ser realizado por corda, utilizando técnicas de trabalho em altura. Além do acesso difícil, na Fase 1 a foliação do itabirito libera com frequência pequenas lascas de rocha, o que compromete a segurança de acesso ao local.
Projeto
A Vale estudou as mais diversas alternativas de solução para o talude do pico do Patrimônio, e devido a todas as condicionantes a solução adotada foi o grampeamento do talude com tela metálica de alta resistência (fy>1.770MPa) e revegetação do talude, aliados a sistema de drenagem. Esta é a concepção macro do sistema de estabilização, mas à medida que o trabalho de estabilização foi se desenvolvendo, o talude foi setorizado em subáreas, onde as condicionantes de cálculo pudessem ser consideradas homogêneas e logo resultasse em um mesmo tratamento (comprimento e espaçamento dos grampos e tipo de tela); e daí desenvolveram-se projetos específicos para cada subárea. Ao todo o talude foi dividido em cerca de 150 áreas.
Processo executivo
A maior dificuldade do processo executivo consistiu na manutenção das mais severas normas de segurança, produtividade e qualidade em um talude com acesso extremamente restrito. Todos os profissionais com necessidade de acessar o talude foram treinados e certificados nas principais normas de acesso por cordas reconhecidas internacional e nacionalmente.
Todo o transporte de material foi realizado via helicóptero, com linha longa, utilizando mais de 3.000 ciclos de carga.
Os comprimentos de ancoragem requeridos no projeto e as condições geotécnicas de perfuração demandaram equipamentos com torque suficientemente alto, para utilização de sistema rotopercussivo com martelo de fundo e revestimento simultâneo, além de elevadas forças de avanço e extração.
Perfuratrizes tipo Wagon Drill foram importadas da Europa com diversas adaptações mecânicas e incrementos de ferramentas para aumento de desempenho e para atender as necessidades específicas do talude, aliado a baixo peso para deslocamento. O sistema de injeção utilizado foi de centrais de injeção com três bombas de pistão e pressão de até 80 kg/cm², para vencer as perdas de carga em redes de distribuição de mais de 500 m de extensão.
Foi utilizada técnica de desmonte com gás expansivo, por apresentar menor vibração no processo de detonação. Para a limpeza superficial preliminar ao tratamento, foi importada uma escavadeira Spider, proveniente de países alpinos e apta a trabalhar em inclinação de até 60°, sendo a primeira vez utilizada na América do Sul. Este equipamento teve também papel fundamental na implantação do sistema de drenagem superficial. Ao todo foram concretados 2.700 m³ de estruturas de drenagem.
Em treinamentos de segurança e qualidade foram investidos mais de 20.000 homens x horas.
Controle e instrumentação
Foi elaborado e implementado um plano de instrumentação durante a fase de execução para monitoramento do funcionamento do sistema de drenagem e comprovação de premissas utilizadas no projeto (células de carga, piezômetros, grampos instrumentados, sistemas de câmeras de monitoramento, células de pressão, pluviômetro).
Autores: Felipe Gobbi da Geobrugg AG; Daniel Tobler da Geotest AG; Anderson Fonini da FGS Engenharia Geotecnica e Ambiental; Gilvan Sá da Vale; Maria Teresa Soares da Geobrugg AG; Rodrigo Flach da FGS Engenharia Geotecnica e Ambiental; Carlos Farias da Vale; Célio Gomes da Vale; Fernando Medina, Civil Master Engenharia em Altura; Jan Gehlmann, Civil Master Engenharia em Altura; e Anthony Lelarge, Civil Master Engenharia em Altura